A tentativa fracassa!
A luz do banheiro está acesa. A porta deste é batida com força.
-AH MEU DEUS, SERÁ QUE EXISTE ALGUÉM MAIS DESASTRADA DO QUE EU?
Som: Missing – Mariana Kupfer.
Mayra está preparando o café da manhã e Pepo não para de falar do Show de Talentos.
-Mal vejo a hora de entrar lá no palco e fazer todo mundo rir com minhas piadas.
-Ta treinando bastante?
-Já sei até as piadas que vou contar. Papai vai me ver, né?
-Olha seu pai aí. Por que não pergunta a ele?
Nilton sai do banho, cumprimenta a esposa e o filho e logo se senta a mesa para comer o ovo mexido com pão que matinalmente May prepara para ele.
-Caprichou hoje, hein, May? – Nilton fala com a boca cheia
-Papai?
-Fala, Pepo.
-O Show de Talentos já ta chegando. Sabia que eu vou participar?
Nilton está comendo e não parece dar muita atenção ao que Pepo diz. May o repreende.
-Nilton, o Pepo ta falando com você.
-Oi?
-Você vai ao Show de Talentos, não vai, pai? – Pepo pressiona Nilton
-Talvez...
-Eu vou me apresentar. É um dia muito importante pra mim.
-Que dia vai ser?
-16 de novembro.
-Já ta ensaiando?
-Muito.
-É bom que ensaie... Ainda mais se valer nota no boletim.
-Já passei de ano...
Assim que Gilberto passa para buscar Pepo, Mayra resolve faltar academia para conversar com o marido.
-Podemos conversar, Nilton?
-Não sei, meu bem. Estou atrasado.
-Todo dia você está atrasado. Está sempre atrasado para mim, para Pepo, para qualquer questão aqui de casa.
-Está querendo discutir relação?
-Deveríamos.
-O que quer saber?
-Acho bom que não decepcione Pepo novamente.
-Não decepcionarei.
-Pepo conta muito com sua presença mais do que de qualquer outra pessoa na platéia e eu não quero pensar que você está ignorando seu próprio filho por besteiras.
-De onde tira tanta besteira pra falar, Mayra?Por acaso falta alguma coisa aqui dentro dessa casa?Alguma vez eu lhe neguei alguma coisa?Se eu estivesse presente demais vocês reclamariam que sou um grudento. Estou ralando dia e noite pra vocês terem tudo e ainda assim reclamam. O que vocês querem de mim?
-É pecado querer um pouco mais de atenção?É errado que uma mãe se preocupe com o filho e queira manter a família unida?Seu comportamento só me faz desconfiar de que haja mesmo algo de errado com você. Nunca foi de erguer a voz comigo...
-Mayra, eu já estou atrasado para trabalhar. Mais tarde terminamos essa conversa, ok?
Em seguida, Mayra desabafa com a mãe.
-E a conversa nunca termina.
-Se precisar, filha, eu mesma converso com Nilton.
-Não, mãe. Tenho idade suficiente para resolver meus problemas sozinha. Só temo pelo Pepo, coitado, tão inocente, todo cheio de querer impressionar o pai e nunca conseguir.
Som: Dove – Moony.
Fernanda, preocupada com Laly e já com uma cópia da chave do apartamento da amiga, vai visitar Laly e a encontra coberta até a cabeça, com o cabelo despenteado e sem vontade de nem mesmo ir a padaria. Espevitada, Fer puxa os edredons da amiga e se atira na cama para tentar animá-la.
-Ei ei ei Laly. Chorar por homem não vale.
-Me deixa, Fernanda.
Fernanda se deita ao lado de Laly.
-Seria uma péssima amiga se te deixasse abandonada num momento difícil como esse.
-Todo mundo está é rindo da minha cara.
-Grande droga. Eu não sou todo mundo.
Fernanda deixa Laly chorar em seu colo.
-Às vezes é o melhor remédio é chorar, amiga. Ainda bem que você está saindo dessa enquanto ainda possui forças.
Fernanda prepara um lanchinho para fazer Lalinha reagir.
-Come pelo menos um pouquinho, amiga. Não precisa comer tudo se não quiser, mas coloca alguma coisa nesse estômago.
-Não quero nada!
-Pensa comigo, Laly: ele não ta deixando de se alimentar e viver por causa de você. Precisa mesmo se punir por ter sido feita de idiota?Ta, eu sei que não é fácil passar seis anos acreditando em alguém, fazendo planos ao lado dele e depois que descobrir que ele não te incluía em nada, mas é fato: ele NÃO merece você e isso tem que te servir como um alívio, pois você, quando desocupar seu coração, tem muitas chances de encontrar alguém que a faça muito feliz, seja o pai dos seus filhinhos e todo aquele blábláblá. Se você abrir mão de tudo agora, só vai sair perdendo...
-Queria que tudo fosse tão fácil como dito na teoria.
-Não é.
-Eu amo o Abel, Fer.
-Mas vai ter que se amar em primeiro lugar.
-Seis anos jogados no lixo. Tem idéia do que é isso?
-Por mais doloroso que seja, pense pelo aspecto positivo: você acordou e tem a oportunidade de recomeçar sua vida e viver muitos anos maravilhosos...
-Queria ter todo esse otimismo.
-Não é otimismo. É a realidade.
Por estar ‘incapacitada’, Laly consegue uma folga no trabalho e enquanto isso, Fernanda está fuçando os arquivos do laptop da protagonista, que antes de telefonar à redação, estava satirizando a tentativa fracassada de suicídio.
-Pior que tentar o suicídio é não conseguir. Isso, abutre existencial! Gargalhe alto para que todos possam ouvir os ruídos do fracasso e da desgraça que caem sobre a cabeça dessa escritora de merda. Pior que ter as causas omitidas pelo obituário é ter de passar reto do espelho porque o reflexo da vergonha é insuportável demais.
Fernanda gargalha alto.
-Até revoltada você me faz rir.
-Que você ta lendo aí?
Laly se senta na cama e percebe que Fernanda está muito interessada na leitura, então, por confiar na amiga, a deixa ver a carta de suicídio na íntegra, algo que não faria jamais.
-Eu não sou abutre existencial... – brinca Fernanda
-Fica rindo porque não é com você.
-Enfurecer-me com minha total ausência de sorte ou preparação ainda é muito pouco. Estabanada é apelido!
Abel descobre que Laly ‘passou mal’ e não foi trabalhar. Tenta telefonar para a namorada, mas ela continua ignorando seus telefonemas.
-Não me deixa ansioso, Laly. Tenho medo que você fique muito desolada e, Deus que me livre e me guarde, perca a cabeça. Eu me sentiria muito culpado se isso acontecesse.
Enquanto isso, Fer e Laly relêem a carta da protagonista.
-Rio porque é impossível não rir dos seus trejeitos. Ninguém faz graça da própria desgraça como você. Acho que por isso mesmo você tem que continuar por aqui mais um tempinho...
-Logo eu posso tentar de novo. – Laly garante sem muita certeza
-Ninguém pode ir antes de completar sua missão, Laly. A Pastora disse...
-E quando essa pessoa não tem missão nenhuma?
-Deixe de bobagem, Laly. Deus ama todos os seus filhos, conhece o coração de cada um de nós e nos presenteou com dons e missões especiais. Ninguém se vai sem antes cumprir seu propósito aqui na Terra. A única coisa que te digo mesmo sem ter muita moral é que você escreve bem pra caramba, tem o dom de conseguir despertar emoções no leitor, sejam quais forem elas... Me entende?Não é todo mundo que consegue passar o que sente com tanta perfeição. Suas colunas são maravilhosas e eu compro a revista há muito tempo porque adoro a maneira como você explana os sentimentos femininos, nossas dúvidas, angústias... Você nunca precisou dele pra ser especial. Você pensa que sem ele tua vida não tem graça, mas é porque você depositou todas as suas expectativas de felicidade nele e se esqueceu do quanto é completa sem ele. Se eu fosse você, tirava umas férias, escrevia um livro, publicava e tentava a sorte. Pode não ser o conselho mais útil do mundo e você não precisa seguí-lo, mas acredito que quando a gente ta muito triste, nada melhor do que tirar umas férias...
-O problema é que quando eu voltar os problemas ainda estarão todos aqui, o estigma de otária também. A tristeza, então, nem se fala...
-Você já pensou que nessa viagem pode até vir a se apaixonar por alguém novamente e perceber que sofreu seis anos em vão?
-Não sei se algum dia eu conseguirei me apaixonar novamente.
-Vai. Não só vai como vai rir ao lembrar disso.
-Só se eu for muito masoquista pra rir me lembrando disso.
Som: Coming around again – Carly Simon.
Já era a terceira vez na semana que uma indisposição me livrava de ver Abel. Sabia que não poderia me safar a vida toda e não era daquela maneira que queria resolver meus problemas.
A tentativa fracassada de suicídio chegou aos ouvidos de meus colegas e instantaneamente eu me tornei a grande piada da redação. Os fuxicos dos corredores, cada qual com suas versões maledicentes e aumentadas esclareciam a curiosidade dos urubus.
Abel, ao ser erroneamente informado, me telefonou ofegante e sugeriu um encontro no mesmo restaurante que costumávamos almoçar diariamente.
-Lalinha, diga o que está acontecendo. Você está agindo tão estranhamente nesses últimos tempos que tem me deixado assustado.
-Eu estou completamente bem.
Não bem, muito menos completamente. Só não podia ser idiota e chorar nos ombros dele novamente.
-Se estivesse completamente bem não estaria ausente. Ora, o que ouvi hoje de manhã lá na redação me deixou muito preocupado...
-O que você ouviu não passou de uma fofoca, ok?Eu nunca estive tão bem em minha vida...
-Não precisa fingir, Lalinha. Eu sei que as coisas não estão indo como gostaríamos, mas eu te prometo que tudo vai melhorar. Acredite em mim...
-Não precisa mentir, Abel. Tenho ouvido isso desde que me entendo por gente e tudo só piora.
-Eu acho que sei do que você está precisando...
Quem sabe te dar um soco na cara, te arrancar à força do meu coração, passar com um trator por cima de você...
Não queria almoçar, conversar, nada. Bem. Mal. Ainda não estava certa de como queria Abel.
-Que tal três meses longe da redação, hein?
-Do que você ta falando?
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