Beco sem saída!
-Vi... – admiti sem conseguir olhar em seus olhos
-Mas não era pra você ver.
Escrotice pouca era bobagem.
-E o que você acha, seu cafajeste safado? - o estapeei com gosto - Achou que ia me fazer de trouxa a vida toda?
-Um dia eu ia te contar.
-Quando?
-Um dia... Com calma...
-Pois ao que parece você tinha a intenção de me enganar para o resto da vida. Tem noção da gravidade do assunto?
-Laly, me deixa explicar.
-Eu não quero ouvir mais mentiras.
-Quem te contou?
-Ninguém me contou.
-Fala quem contou.
-Não interessa. Eu vi.
-Eu devia ter te contado, mas você nunca me deu espaço pra isso.
-Aaah, então quer dizer que você pensou que eu iria saber que você é casado e ficar de boa, aplaudir? – me revoltei
-Eu não me sentia pronto...
-Você nunca ta pronto pra nada, não é mesmo?Não ta pronto pra oficializar a relação, pra terminar com a esposa, pra tomar decisão seja qual for ela. Nunca está pronto pra nada...
-Me entenda, Lalinha. Se coloque no meu lugar.
Som: Prazer e luz – Luciana Mello.
Lílian está na aula de Ed. Física ministrada por Naira, mas por não suportar as duras críticas da professora, aproveita a deixa da luxação no antebraço para não se unir aos outros que estão ensaiando para o Show de Talentos. Naira não a perdoa:
-Seu atestado já acabou.
-Como sabe?
-Não confio em nada do que diz.
-Dou graças a Deus que no ano que vem não serei mais sua aluna.
-Não quer ir para a coordenação novamente, quer?
-Faça o que quiser. Não me importo.
Yasmin, mesmo sendo ignorada pelas ‘populares’ (grupo de Bruna), dança com as garotas que só implicam com ela.
-Se não quiser ir para a coordenação, desça já dessa arquibancada e una-se aos outros.
Lílian dá com os ombros e desce até a cancha para fingir que está interagindo com o restante da turma, porém espera Naira se distrair com uma discussão entre garotos para entrar no vestiário feminino e começar a dançar sozinha para não ouvir a beata a julgando e recriminando.
Bruna, que estava indo tomar banho, para na porta e observa a coleguinha dançar.
Som: Coming around again – Carly Simon.
Eu não era nenhuma vítima na história, mas também não era nenhuma vilã.
Abel queria tirar o dele da reta, afinal quem ia levar a pior fama seria eu enquanto ele faria uma inseminação artificial na patricinha de meia-idade, eles teriam gêmeos e viveriam muito felizes para sempre com o labrador amarelo em um duplex enquanto eu ia continuar sofrendo por ter dedo podre.
Mesmo no auge do ódio ainda conseguia ver alguma saída pra minha carreira de atriz...
-Não posso casar... A rotina de jornalista é complicada e você sabe disso melhor que eu...
Imitei seus trejeitos numa perfeição que o deixou completamente sem graça.
-Me desculpa, Lalinha. Eu sei que devia ter jogado limpo com você desde o início.
-Acho que é bastante tarde pra dizer isso.
Eu ainda sonhava com um happy ending. E tinha que ser com ele.
Desatávamos a chorar dentro da cozinha. Tomava a iniciativa de abraçá-lo. Queria poder acreditar que seu pranto era sincero. Não comigo, mas consigo mesmo. Se bem que ele é a única pessoa que conheço que consegue chorar sem derramar uma lágrima.
-E se eu te dissesse que tenho um irmão gêmeo?
Só me faltava essa...
-Irmão gêmeo?Ah ta. Vai me fazer mesmo acreditar nisso?
-Mas eu tenho um irmão gêmeo sim, Lalinha. Nós somos perfeitamente idênticos em tudo, até na voz.
Se ele estivesse mesmo falando a verdade, aquele barraco teria sido em vão. Minha inocência de menina sonhadora insistia nessa cogitação.
-Você nunca me disse que tinha irmão gêmeo.
-E tenho. Ele é um inferno na minha vida, Lalinha. Eu não queria te contar antes porque temia parecer um chorão lamentador. Continua acabando com meus relacionamentos, se passando por mim e fazendo o diabo por aí. E sobra pra quem?Pra mim!Sempre sobra pra mim o pepino todo...
Se eu tivesse um pouco de dignidade, caía fora no mesmo instante.
Som: Missing – Mariana Kupfer.
Mayra está trabalhando no salão com a mãe e dá a entender que nem mesmo a viagem para SP esquentou a relação com Nilton.
-Ele está levando os problemas do trabalho para casa. – Emília raciocina
-Ele mal participa do crescimento de Pepo. Isso me preocupa, mãe. Pepo cobra atenção do pai e eu já não agüento mais inventar tantas desculpas. Falo do Show de Talentos como no ano passado e ele sequer se importa em ver um momento importante do próprio filho. Nilton é uma pessoa maravilhosa, não tenho do que me queixar, mas me deixa triste todo esse afastamento sem razão.
-Já tentou conversar com ele?
-A que horas se quando volto pra casa ele está dormindo ou volta quando Pepo e eu já dormimos?Pela manhã ele mal me dá bom dia e já sai, parece estar sempre atrasado e sequer pergunta se Pepo está bem ou mal. Raramente o faz.
-Acredito que deva conversar com ele.
-Tentarei, mãe.
Som: One on one – Hall & Oates.
-Não me diga que você acreditou nesse papinho de irmão gêmeo?Acreditou? - Fernanda bradava com revolta
-Eu nunca cheguei a conhecê-lo, então pode ser que...
-Para de se iludir, Laly. Cai fora enquanto é tempo. Se ele fosse homem já teria dado um pé na bunda da patricinha e seria todo seu. Cai fora que o que é teu está guardado.
-Melhor dizendo: o que é teu está casado...
Estava vivendo um dilema terrível e entrava em questão minha honra, minha capacidade interior de sair dessa situação. Se conseguiria, seria outra história.
Fernanda e suas pulseirinhas de Israel que tiram todo mau olhado. Fernanda e a unção que traz o amor verdadeiro. Fernanda e suas infinitas crendices.
Se eu não estivesse tão decepcionada com a vida, seria tola o suficiente para prescrever meu próprio sofrimento e procuraria ajuda, mas não queria me expor mais e assim como aconteceu na minha adolescência, aquele lugar ficava pequeno demais pra mim. Circunstâncias a parte, fugir não seria a solução. Eu fugiria de minhas garras, de meus autojulgamentos, do amor que ainda sentia por Abel. Estava, definitivamente, em um beco sem saída.
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