A REVOLTA!
-Mas quem poderia ter feito isso? – Fernanda se desespera
-Ainda por cima são uns porcos que deixaram tudo sujo. Roubaram a tevê, o som, o aparelho novinho de DVD que o vô comprou no mês passado e o celular que o vô usa pra conversar com o Biel todo dia... Vou subir pra ver se não roubaram meu porquinho e minhas bonecas. – Lílian avisa
-Roubaram meu 13º salário inteiro. Eu havia sacado hoje pela manhã e guardei tudo nessa gaveta como sempre faço. Sem esse dinheiro, adeus Natal!
Chorando, Laly se dá conta de que também furtaram seu precioso laptop.
-Ladrão audacioso. – Gilberto se revolta
-Todo o projeto do meu livro estava salvo em uma pasta. Sem isso, to ferrada. Como é que isso foi acontecer?
Laly, desolada, se senta ao lado de Fernanda no sofá.
-Ai se eu pegasse esse ladrãozinho no flagra.
-Só não roubaram meus cartões porque sempre saio com eles. Não tenho muito, mas posso ajudar com o que sobrou.
Lílian está vasculhando seu quarto, mas os ladrões não passaram por lá. Mesmo assim, leva um susto ao ver Rafa sentado na cama.
-E aí, sardentinha?Roubaram suas bonequinhas também?
-Não enche o saco, idiota.
-Eu sei quem é o ladrão...
-Ah sim, sabe...
-Sei sim. Acreditaria?
-Do mesmo modo como acredito no Papai Noel. – a menina é irônica
Gilberto, Fer e Laly vão à delegacia fazer um boletim de ocorrência acerca do roubo, mas por não terem pistas concretas dos ladrões, o delegado responsável pouco se importa com o caso, o que obriga nossos personagens a investigarem por conta própria.
Lílian, Rafa e Yasmin estão conversando no quarto da neta de Gilberto e as crianças pedem segredo a amiga.
-Se você contar, eles vão voltar.
-Mas vocês tem que contar.
-Você não entende, Lílian!Não dá pra contar... – Rafa parece alterado
-Então vocês terão de disfarçar muito bem, mas e agora?Sabia que eu não vou ter Natal por causa disso?
-Não? – Rafa começa a rir
-Não vi graça nenhuma...
-Vocês podem passar o Natal lá em casa, oras. Minha mãe não vive sem seu avô ou então vocês podem viajar com a gente, já que eles vão casar. Assim você já conhece sua nova família e eu posso te apresentar minhas primas que são uns amores. Você vai adorá-las. – Yasmin sugere – Podemos contar com você?
Som: Best friends – Sclub7.
Naira traz comida até o quarto de Pepo. O garoto se recusa a comer.
-Tem que comer, Pepo. Come pra sarar logo.
-Quero meus pais de volta. – Pepo coloca a bandeja em cima do criado-mudo
-Eu sei...
-Se sabe, então por que não os chama?
Naira parece desapontada e por isso mesmo se senta a ponta da cama:
-Compreendo, meu pequeno. Todos estão sofrendo muito com isso.
-Por que meus pais não se gostam mais?Eu fiz alguma coisa?
-Isente-se da culpa, Pepo!Você é apenas uma criança e se isso aconteceu, certamente, meu anjo, foi por outro motivo.
-Eles podem vir a se entender?
-Gostaria, mas não posso te responder.
Som: Como devia estar – Capital Inicial.
Estávamos humilhados, ainda tentando encaixar as peças daquele sinistro e confuso quebra-cabeça.
Aquele assalto pareceu-me uma emboscada. Meu computador comportava arquivos de extremo sigilo. Na revista eu sempre fui uma das defensoras da reforma do Código Penal e manifestava extrema aversão a Gustavo Figueira Antares e ao que compreendia, estava ciente de que o maldito bandido que destruiu minha vida estava prestes a sair da cadeia.
Abel me colocou praticamente à força naquela ridícula coluna sobre relacionamentos porque a editora estava sendo ameaçada e processada porque eu sempre fui parcial e isso costumava incomodar quem tem natural tendência a manipulação, apesar de eu ser uma grande formadora de opinião, ou pelo menos era o que eu considerava, levando em conta as circunstâncias.
Por estarmos abalados, Cybele nos convidou para jantar e desculpava-se por ter apenas macarrão instantâneo para nos oferecer:
-Que não seja por isso... Adoro macarrão... – disse
-Gustavo Figueira Antares está em liberdade há 3 dias. De volta a cidade natal onde horrorizou moradores por anos com suas atrocidades. Sua soltura, além de representar perigo ao cidadão de bem, é um conveniente pretexto para promover um debate sobre a reforma do Código Penal e não é de agora que nos fazemos esta mesma pergunta, sempre sem uma convincente declaração. Será o momento de revolta?
-Essa mina arrasa. Ela fala tudo que pensa... – Fernanda comentou
-Também deve ter um monte de inimigos. Quem fala tudo que pensa, também paga o preço. – acrescentei porque sentia na pele a dor de ser transparente
-Será o momento de rever nossa legislação e aplicar penas mais severas a crimes hediondos?Bandidos perigosos como Figueira Antares não poderiam estar à solta. Como a justiça explica essa falha?Será o momento de agir ou nossas mentalidades estão conformadas demais para protestar?O espírito natalino amansou o senso crítico?São questões demais para tão pouco tempo, tão poucas evidências... Quem assegura a regeneração?
O casal de âncoras do noticiário da Toda Poderosa já eram por si só a atração. Conhecidos pelo hábito de não apenas serem escravos do teleprompter, propunham um debate, ainda que grande parte dos telespectadores só se interessasse mesmo pelo editorial mastigado, como se apenas comprassem aquelas frases com palavras as quais julgavam como ‘difíceis’. Mesmo assim, a reflexão era profunda, cutucava a crítica e às vezes, como todo ser humano, falavam demais, enraizando as próprias ideologias, entretanto, naquele momento, aquela jornalista parecia ler meus pensamentos. Não apenas os meus, mas de todos que tentam viver no caminho do bem. Sem nos conhecermos pessoalmente, pensávamos de forma semelhante.
-Não me diga que este bandido está solto? – Gilberto se revoltou e com razão
-Sim... – Fer respondeu, ainda sem compreender a gravidade da situação
-Nossa justiça é mesmo uma piada. Nosso sistema é ridículo, injusto, podre, precisa ser reformulado já é de tempo. Eu, por exemplo, levei anos para conseguir me aposentar, enfrentando longas filas pra ser destratado, recebo quase a metade do meu salário quando estava na ativa, pago imposto até para respirar e sou tratado como nada, ainda que tenha contribuído a vida goda, aí um ladrão, bandido, sem vergonha, filho da mãe que matou, roubou, estuprou, sonegou imposto, cumpre 10 aninhos, consegue habeas corpus e direito a liberdade porque nosso código só permite que um psicopata desses fique preso por 30 anos e sempre com chances de sair antes... Isso é um ultraje a honra da nação e esses são os valores transmitidos as futuras gerações. Apronte e não tema a justiça, pois além de tardar ela falha e favorece quem mais tem.
Gilberto não proferiu nada mais que a verdade e naquele discurso não apenas nos representou como bradou ser mais um inconformado. Por isso mesmo os Gallardo eram naturalmente questionadores. O pai os incentivava e isso eu já percebia em Lílian que mesmo tendo rendimento regular no colégio, era bastante esperta, antenada e se expressava muito bem, sendo sempre a espontaneidade em fase de crescimento.
Som: One last breath - Creed.
Naira, antes de dormir, tenta convencer Nilton a negociar com Mayra.
-Pepo está sofrendo muito com isso. Estar ao lado da mãe nesse momento difícil irá ajudá-lo a superar tudo e se recuperar mais depressa.
-Mayra mandou-lhe dizer isso?
-Se não sabe, perdi o amor e a confiança de Mayra.
-Mayra está exagerando.
-Mayra está magoada. Dou-lhe o direito de estar chateada e dou-lhe o direito de você lutar por meu amor, então não me decepcione, não me faça pensar que troquei tudo para estar com alguém que não pensa em ninguém além de si mesmo.
Nilton, excitado, não está nem um pouco interessado em discutir relação. Acariciando os lençóis, tenta convencer Naira a transar com ele:
-Por que não se esquece disso e vem fazer amor comigo, hein?
-Você sabe que eu só farei amor quando casarmos.
-Mas isso vai demorar algum tempo.
-Quem ama espera.
-Já esperei mais de 10 anos.
-Então pode esperar mais um.
-Naira, por favor.
-Se continuar proferindo essas besteiras, irei dormir na sala.
Mesmo inconformado, Nilton acaba respeitando a decisão de Naira.
Som: Underneath it all - No Doubt.
Resolvemos dormir na casa de Cybele a convite dela.
Fer, as crianças e eu ficamos acordados até tarde para assistirmos filmes e acabamos dormindo sem desligar o televisor, acordando, consequentemente, com a marcante vinheta de plantão da Toda Poderosa, a mesma que na infância me fazia ficar noites sem dormir caso a ouvisse.
Realmente não conseguiria dormir mais. Eram quatro da manhã quando o logo do Plantão com a vinheta ao fundo despertaram a todos nós. Não havia repórteres nem âncoras presentes, então quem assumia a cobertura era o narrador oficial da emissora.
-Interrompemos nossa programação normal para anunciar.
-O fim do mundo... – Rafa disse e as crianças nos abraçaram amedrontadas
-Caos e terror na sede da Toda Poderosa. A matriz da maior emissora do país foi covardemente depredada. Tijolos com mensagens ofensivas foram atirados em direção a nossa central de jornalismo...
-Credo... – suspirei
Eu sabia que a partir dali ninguém mais teria paz. Eu poderia estar enlouquecendo, mas sabia que Gustavo seria capaz disso e muito mais. Ele estando solto era motivo suficiente para nunca mais dormir em paz.
Nem mesmo o narrador do canal conseguia noticiar. A voz embargava, mas acima de qualquer coisa, quem estava acordado e ali sintonizado precisava saber o que estava acontecendo.
-E acaba de chegar a informação de que os corpos do casal de âncoras do Toda Poderosa Noite foram encontrados em um matagal a 15km de Guaratuba...
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