terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Confissões de Laly Cap.93 - A noite que não queria TERMINAR! - 3ª e última parte



A noite que não queria TERMINAR! -3ª e última parte

O truculento policial berrava com o megafone como se estivesse em um show de heavy metal.

-Pó para ‘ca’ agitação.

O que mais faltava acontecer?


Se eu não compreendia nada,  quanto mais o idealizador da palhaçada. O público caiu de cena decepcionado. Não rolou beijo nem troca de alianças. Nada. A polícia acabou com a farra.

Som: I’m gonna get married – Lou Christie.

Edílson, irritado por não conseguir dormir, reclama:

-Que palhaçada era essa na nossa rua?Será que nossos vizinhos estão perdendo o respeito e o juízo?

-Laly criando caso novamente. – Eleonora responde

-Como assim?

Som: Tarzan boy – Baltimora.

Dividimos a mesma viatura sentados lado a lado no banco traseiro. Aquela música estava me perseguindo. Três vezes em um mesmo dia!

-Velhos tempos... Não se faz mais música como antigamente.

O motorista, assobiando, aumentou o volume e começou a batucar no volante.

Por Deus!Eu devo ter jogado truco na mesa da Santa Ceia. Só podia!

-Culpa sua. – provocava Abel como um fedelho

-Quem mandou pagar mico a essa hora da noite? – retruquei como Lílian faria com Pepo

-Aceita ou não?

-Aceitar o que?

Fingir-me um pouco de desentendida não faria a mal a ninguém, sobretudo a ele.

-Aceita ou não?

Abel tirou de dentro do bolso do paletó uma caixinha de veludo vermelha e cuidadosamente a abriu.

-E aí?O que me diz?

A Lalinha que Abel conheceu romperia em lágrimas, se renderia, sem cerimônias diria logo sim e o lindo casal faria amor pelo resto da noite como se o dia anterior jamais tivesse acontecido.

Minhas férias estavam indo por água abaixo. Estava dando no mesmo que estar em São Paulo.


-Vai, Laly. Diz alguma coisa.

-Você teve 6 anos pra isso, Abel. Acredito que agora seja um pouco tarde.

-Nunca é tarde quando se ama de verdade.

Justamente pelo fato de ainda desejá-lo tanto quanto antes, eu me irritava. Não possuía a menor vocação para viver de amores bandidos.

Som: Já sei namorar – Tribalistas.

Lílian só foi à delegacia porque Gilberto não quis acordar Cybele. Esperta, a menina finge estar dormindo só para poder ouvir a conversa dos adultos.

-É, pai, ele é casado.

-O safado é casado e veio atentar a Laly?Pois então é muito bem feito que fique preso.

-O pior de tudo é que a Laly nega até o fim, mas o ama.

-Me desculpe, minha filha. Me desculpe, mas isso não é amor. A confiança é um dos pilares que sustenta o amor e o faz crescer. Nenhum relacionamento sobrevive de mentiras. Se ele a enganou por mais de 6 anos, tem a intenção de continuar fazendo isso. Se ele realmente a amasse, já teria se casado com ela há muito mais tempo. Mentiras destroem tudo e para sempre não sobrevivem porque uma hora a verdade tira a cegueira, ainda que eu, você ou a própria Lalinha se negue a aceitar. A verdade vem.

-Isso é...

-Não sou nenhum conselheiro matrimonial, detesto me intrometer na vida alheia, no entanto, sofro junto ao ver mulheres tão jovens, lindas, brilhantes e cheias de potencial menosprezando o próprio orgulho por conta da lábia de cafajestes. Sabe que eu prefiro que você fique solteira pra cuidar de mim e de Lílian a vê-la quebrando a cara como a Lalinha?Desorientada, carente, insegura, com medo de desatar o nó porque acha que não vai conseguir nada melhor. Como assim?Não sei exatamente qual será a decisão de Laly, até porque ela é dona da própria vida e provavelmente escolherá o que melhor lhe aplicar, mas quero dizer que enquanto estiver aqui, quero ser um pai pra ela.

-Laly precisa. Muito.

-Você também.

-Ai pai, assim eu choro.

-Me promete que não vai mais sair com o primeiro safado ordinário que tentar passar conversinha idiota pra cima de você?

-Tentarei, pai. Tentarei.

-Ser homem vai além do tamanho do genital, da lista de mulheres que saiu ou deixou de sair. Ser homem vai muito além do que muitos pensam. O que vejo são muitos meninos de cabelos brancos pensando que sabem da vida...

Som:Tarzan boy – Baltimora.

Eu, que só queria me deitar e dormir, estava ali no meio de indigente, criminososo, bêbados, tarados, psicopatas, aturando o cheiro de cachaça que exalava pelo ambiente, o fedor do charuto do arredio delegado, aquela caixa de abelhas que ele insistia em chamar de som, a incerteza das próximas horas e pela 4ª vez a música. Novamente aquela música...

A todo momento eu esperava ouvir que tudo aquilo não passava de uma pegadinha, uma armação e mais: eu ainda ganharia dinheiro pelo senso esportivo. Era surreal demais para crer.

-Confesse, Lalinha. Confesse que se amarrou na minha performance.

Piscando e se sentindo o pop star do DP, Abel se aproximava de mim sussurrando justamente porque aquilo me desarmava e eu ria.

-Nem morta.

-Claro que você gamou.

-Antes surda.

-Você sabe que eu sou cantor nas horas vagas, estou acostumado com o assédio do grande público, mas só não levo a carreira a sério porque você e o jornalismo são e sempre serão minhas eternas paixões.

-De duas, uma. Ou você é um tremendo convencido sem noção ou o mundo virou mesmo de cabeça pra baixo.

Abel foi detido por infringir a Lei do Silêncio. Denunciado por morador que manteve seus dados anônimos, mas sentiu-se extremamente incomodado com a serenata do baixinho. Só não entendi por que eu fui levada junto na viatura.

-Sou presa só por ter sido pedida em casamento?

A Toda Poderosa estava perdendo uma atriz revelação e tanto. Podia sim estar com um braço quebrado, vestindo uma camisola rosa e calçando uma pantufa de ursinho, não deixava de esbanjar a atitude que fazia de mim o furacão da vizinhança.

-A Lalinha tem toda razão, seu delegado... Eu... Eu só queria fazer uma surpresa a ela, afinal, sou um noivo criativo.

-Não foi isso que o morador nos relatou no telefonema...

Som: Flores (acústico) – Titãs e Marisa Monte.

Edílson, com insônia e deitado na cama ao lado de Eleonora, percebe que ainda há muitas pessoas com as luzes acesas.

-Algum plantão televisivo?

Eleonora liga a TV.

-Por quê?

-Como por quê?Todos os vizinhos estão acordados e isso só acontece quando há enchente, homicídio ou algum plantão televisivo...

-Tudo é possível. Estão todos acordados.

-Que o Bush ta perseguindo o Iraque não é novidade, mas invadiriam agora?

O casal procura em todos os canais, mas prevalece a programação normal.

-Às vezes a TV demora um pouquinho pra dar a notícia.

Edílson liga o rádio- relógio, vasculha AM/FM e não ouve nada demais.

-Talvez estejam sem sono como nós.

-Como se depois daquela barulheira alguém conseguisse dormir.

Enquanto isso, na delegacia...

O delegado, irritado, mascava o charuto. Nauseabundo.

-Seremos presos só porque iremos nos casar?

-Vocês dois devem ser atores. Não é possível! – o escrivão estava rindo

Acostumados com atrocidade, crimes hediondos e discussões conjugais de terríveis proporções, nos julgavam como dois otários querendo aparecer e talvez o escrivão tivesse mesmo razão!Éramos dois atores, dois talentos que a TV brasileira ainda iria conhecer e se apaixonar.

-Por que vocês dois não se casam de uma vez e de preferência procurem fazer menos barulho.

Até o delegado turrão rendeu-se a lábia da leoa litorânea e do sagüi de gravata borboleta vermelha e terno branco. Estávamos quites.

-Deveriam aproveitar toda essa ginga e fazer um teste pra próxima novela das 7.

Fernanda, Gilberto e Lílian nos aguardavam junto com a van da mensagem ao vivo. Toda a micagem foi registrada pelas câmeras. Além deles havia muitos curiosos nos aguardando.

-UHU!

-Estamos famosos, Lalinha. Olha só quanta gente está a nossa espera.

Era só o que me faltava...

-Me inclua fora dessa.

Tentei me esconder perto de um muro, mas Abel me trouxe de volta até a calçada onde todos estavam nos observando.

-Ora, ora, Lalinha. Fique tranqüila, leoa. Nem sequer mencionei ao delegado sobre o carro, mas agora diria que estamos quites.

Ele tinha razão. Estávamos empatados. A custa de um braço quebrado, horas incertas na delegacia e tudo o mais, podia considerar aquilo um problema resolvido, talvez algo que nem precisaria ter acontecido, mas, enfim, a vida dessa autora sempre foi mais imprevisível que o vento.

Ele me salvou quanto à depredação do carro e eu o safei de passar a madrugada no xilindró e ainda sendo zoado por ser desafinado, o que ainda era apelido em vista do que a vizinhança ouviu horas antes.

-Agora se beijem, pombinhos. – provocava Fernanda

-Sai pra lá, urucubaca.

Empurrei Abel e então ele agarrou minha cintura e deu-me um beijo de cinema. Não consegui resistir.

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