segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Resistência - 1º capítulo



1º capítulo

O dia é de 17 de julho de 2004, um típico sábado de inverno. A cidade é Curitiba, muito visitada pelos turistas nessa época do ano, embora não neve desde 1975. A música só poderia ser Don’t feel like dancing – Scissor Sisters, tema que reflete a síntese dessa novela. Sinta-se totalmente em casa a partir de hoje e conheça um pouco mais sobre o mundo dos esportes radicais, reviva uma época mágica e descubra que são nos momentos de adversidades que se conhece a resistência.

Casa de Laura. Quarto de Laura. Tarde.

Laura está dormindo quando o celular toca. Ainda com os olhos fechados, a adolescente estica um dos braços, apanha o telefone, sabe que a ligação é de Karinna e atende.

Laura - Alô.
Karinna (off) - Ora se não é a grande dorminhoca. A fim de curtir à tarde?
Laura - Sem chance, Karinna.
Karinna - Sem chance não é resposta.
Laura - Não me diga que você tem coragem de sair no frio?
Karinna - Ô se tenho. To só esperando o Vini vir me buscar e vamos passar em sua casa. É bom que se apronte logo, noiva.
Laura (protesta) - Karinna.
Karinna - Nem mais um pio, amiga. Eu te garanto que você não vai se arrepender.

Casa de Karinna. Sala. Tarde.

Pedro é um pai muito liberal e apesar de ser bem mais velho que a filha, mantém uma relação muito cordial com ela, porém sabe que por ser naturalmente tagarela, a conta do telefone está sempre nas alturas, por isso para em frente à porta da cozinha.

Pedro - Ainda no telefone, Karinna?
Karinna - Daqui a meia hora estou aí. Se você estiver dormindo, sai de pijama mesmo. Até mais.

Karinna desliga o telefone.

Pedro - Desse jeito não dá, Karinna. A conta de telefone veio altíssima no mês passado.
Karinna - Era só para dar um avizinho à dorminhoca.
Pedro - Mas esses seus avisos demoram muito, minha filha.

Karinna caminha em direção ao pai e o abraça pelas costas.

Karinna - Paizinho.
Pedro - Eu sei que você é muito tagarela.
Karinna - E o que seria de você sem a tagarela, han? Não quer vir comigo e curtir um rock’n roll irado?
Pedro - Não tenho mais pique como vocês.
Karinna - E vai ficar aí sozinho, largado em casa?
Pedro - Eu tenho um ótimo companheiro: um livro. Quem tem a mente ocupada por bons pensamentos nunca está só.
Karinna - Se mudar de ideia, já sabe, pai.

Destaque para as duas buzinadas que podem ser ouvidas pelos personagens.

Karinna - Deve ser o Vini.

Karinna beija o rosto do pai que retribui o gesto carinhoso com um cafuné na cabeça, bem como ela gosta. A jovem dá uma última ajeitada no cabelo em frente ao espelho e caminha até a porta principal. Antes que Karinna saia, Pedro faz as famosas recomendações paternas.

Pedro - Juízo, Karinna. Juízo nessa cabeça. Procure não voltar muito tarde, cuide do celular e não tire o agasalho pra não se resfriar.

Karinna consente com a cabeça, sorri e se despede do pai, caminhando até o carro de Vinicius, onde Daiana, a irmã dele, já está sentada no banco traseiro. Vinicius abre a porta do passageiro. 

Música: Por que será – Tihuana

Karinna e Vinicius se beijam.

Karinna - Podemos buscar a Laura, amor?
Vinicius - Claro, minha deusa. Ela vem mesmo?
Karinna - Nem que seja de pijama, mas vem.
Daiana - Se você conseguir essa façanha, Karinna, não duvido mais de nada.

Autódromo de Pinhais. Interior. Tarde.

Música: No cigar – Millencolin

Tudo pronto para comportar a etapa do campeonato de skate vertical. Muitos competidores movimentarão a gelada tarde de sábado. Bandas de rock se revezarão no palco montado para entreter jovens.

Marcelo Ruela é o grande favorito desta tarde. Aproveitando o horário de treinos, já mostra o talento que vem encantando o público há mais de 10 anos.

Carlos Ferradura, um skatista que sempre invejou Marcelo e será o próximo a treinar suas manobras, se aproxima da rampa e assiste ao desempenho do colega. Assim que Marcelo desce a rampa, Ferradura o bajula.

Ferradura - Ora se não é o grande Marcelo Ruela.
Marcelo - Não sou grande. Sou apenas um skatista.
Ferradura - Você é uma lenda, cara. Sem essa humildade.
Marcelo - Mas eu estou sendo verdadeiro, chapa. Todos vocês que estão aqui são muito bons e temos chances iguais, mas uns se esforçam mais que outros. Eu batalho pra ser bom no que faço e sei que poderia ter feito melhor.

Ferradura dá um tapinha nas costas do colega.

Ferradura - Sempre na humildade, Marcelo. Eu no seu lugar ia curtir muito ser a lenda desses moleques que estão começando. Assim eles não te respeitam, acham que você é um mané...
Marcelo - Se você gosta tanto de subir, tem que saber cair também.

Marcelo acena e se despede de Ferradura, que imita debochadamente os trejeitos do rival e grita.

Casa de Laura. Exterior. Tarde.

Daiana e Karinna descem do carro de Vinicius, andam até o portão da casa de Laura e batem palmas.

Daiana e Karinna - LAURA!

Casa de Laura. Interior. Tarde.

Amauri, espiando pela janela, reconhece Daiana e Karinna. Zélia, ainda de avental, se dirige até a sala.

Zélia - Que bagunça é essa, Amauri?
Amauri - Amigas da Laura.
Zélia - Por que não faz o favor de ir lá fora e dizer que Laura não quer sair. Aliás, sei lá o que essa garota quer da vida...

Laura, parada no alto da escada, pergunta.

Laura - Falavam de mim?
Amauri (desconcertado) - Suas amigas estão aí?
Laura - Sim, eu sei.

Laura desce as escadas.

Laura - Elas estavam me esperando. – acena para os pais – Eu prometo que não volto tarde.
Zélia - Onde é que você vai?
Laura - Me divertir, mãe. O que todo jovem gosta.

Laura abre a porta principal e encontra as amigas a esperando. As jovens se abraçam.

Daiana (para Karinna) - Não acredito que você conseguiu, Karinna.
Karinna - Eu não disse que conseguiria.
Laura - Mas que fique claro que isso foi ideia da Karinna. Nem sei por que estou fazendo isso...
Karinna - Nem mais um pio, gatinha.

Karinna envolve seus braços na cintura da amiga e do outro lado Daiana faz o mesmo. Destaque para a música Rock with you – Ashanti. Karinna entra na frente enquanto Daiana e Laura entram e se acomodam no banco traseiro.

Autódromo de Pinhais. Pistas. Tarde.

A música de Ashanti toca enquanto é mostrada a movimentação de pessoas chegando, imprensa se instalando, bandas testando o microfone e se aquecendo no palco, vendedores ambulantes nas imediações.

Ferradura conversa com um repórter enquanto Marcelo, de joelhos, ora no alojamento onde outros skatistas estão se aquecendo e conversando. Assim que torna a permanecer de pé, um jovem fã aborda Marcelo e com uma caneta permanente, o rapaz autografa o skate.

Autódromo. Estacionamento. Tarde.

Não há mais vagas. Isabel é obrigada a dar meia volta com o carro e reclama com o filho.

Isabel - Não me disse que estaria lotado.
Adriano - Manhê, eventos em que o Marcelo Ruela vai estar costumam ser mais cheios que isso e ninguém reclama.
Isabel - Marcelo Ruela? Quem é esse?
Adriano - A lenda viva dos skates desde Tony Hawk.
Isabel - Eu não deveria te deixar ir, mas é tempo de férias e eu realmente quero ver você bem longe daquele computador, senhor Adriano.
Adriano - Fica susse porque o Vini dá carona.
Isabel - Fica susse? Como assim? Sabe com quem está falando?

Adriano se encolhe no banco.

Isabel – Fique susse? Onde é que você pensa que está, hein Adriano?
Adriano – Fo... Foi mal...
Isabel – Foi mal? ‘Desculpa’ agora é ‘foi mal’? – respira fundo segurando no volante - Ainda assim quero juízo, Adriano. Nada de chegar tarde.
Adriano - Confia em mim, não confia?
Isabel - Me dê um bom motivo para confiar em você.
Adriano - Sou seu filho.
Isabel - Quero você às 22h00min em casa ou fica de castigo o resto das férias.
Adriano (chateado) - 22h00min? Manhê, é muito cedo.
Isabel - 22h00min sim, senhor. Toque de recolher, Cinderela.
Adriano - Se eu contar isso a algum dos meus amigos, vão é tirar sarro da minha cara.
Isabel - Que tirem, que façam troça. Quero você em casa às 22h00min.

Ainda no estacionamento, mas dentro do carro de Vinícius.

Vinícius conseguiu encontrar um estacionamento a duas quadras do evento, desembolsará uma quantia razoável em relação às horas de diversão. Assim que Vinicius, que trata da parte burocrática, acena com a mão, as mulheres descem do automóvel.

Daiana - Promessa é dívida, hein, Karinna? Tem que me levar pra conhecer o Marcelo Ruela. Prometeu tem que cumprir.
Karinna - Eu já disse que vou. Marcelo é meu amigo de anos.

Vinicius percebe que Laura está completamente alheia à conversa dos amigos e resolve caminhar ao lado dela. Ele era amigo de Elisa, assim como Karinna.

Vinicius - E aí, Laurinha? Pronta pra curtir muito rock?
Laura - Aham...
Karinna (abraça Laura) - Desanimada, Laura?
Laura - Eu precisava mesmo ter vindo?
Karinna - Precisava. Sem você a turma fica incompleta.

A poucos metros Daiana encontra Adriano trotando e chutando pedrinhas e o surpreende com um abraço pelas costas.

Daiana - E aí, Didi?

Adriano reconhece Daiana e retruca.

Adriano - Não gosto que me chamam de Didi.
Daiana - Então tá, Didi. O que há?
Adriano - Minha mãe... Quer que eu volte pra casa às 22h00min.
Daiana - Recomendações de mãe.

Os jovens se beijam e caminham de mãos dadas. 

Música: 1x0 eu – Dibob.

Autódromo de Pinhais. Arquibancada. Tarde.

Após muito bater perna, Karinna encontrou bons lugares. Laura sente sede e resolve descer para procurar um quiosque o qual venda bebidas.

Ferradura e Chiquinho gostam de tirar vantagem em tudo, por isso ao verem a garota sozinha na fila, distraída e um pouco encabulada, cochicham um com o outro e dão risada.

Chiquinho – Hoje o mar ta pra peixe.
Ferradura – Sou urso polar; o mar pode estar congelado, mas sempre tem uma foca boba dando pinta.

 Assim que troca seu dinheiro por uma ficha, Laura entra na fila, mas dois vândalos se atiram em cima dela a fim de causar confusão e conseguir bons lugares na frente.

Laura não percebe, mas enquanto se levantava da pista, Chiquinho roubou sua ficha e passou a sua frente. Ferradura, mandante do delito, não imaginou que sua vítima fosse uma jovem bonita, então é pego de surpresa.

Ferradura (pensa) – Não sabia que a moreninha é tão gata...

Ferradura costuma ser ríspido com menina mais tímidas porque se acha o garanhão, mas se redime estendendo uma das mãos para Laura levantar.

Ferradura - Problemas?
Laura - Eu... Eu acho que me empurraram.
Ferradura – Te empurraram? – finge estar desapontado – Mas esse mundo ta mesmo perdido! Esses vândalos não tem respeito por ninguém. Veja bem, derrubar uma moça como você no chão. – estende novamente a mão – Muito prazer, Carlos Ferradura.
Laura - Laura.
Ferradura - Laura. – sorri – Belo nome.
Laura - Obrigada. Gosto do meu nome.

Chiquinho assobia para roubar a atenção de Ferradura.

Ferradura - A conversa está muito boa, mas realmente preciso ir. Passa no meu camarim mais tarde.

Ferradura se retira. É a vez de Laura na fila.

Balconista – Pois não, mocinha?
Laura - Um refrigerante, por favor.
Balconista – Mais alguma coisa?

E só então Laura se dá conta de que perdeu sua ficha.

Balconista - Sem ficha não tem refrigerante, moça. Olha o tamanho da fila.
Laura – Mas eu ju... juro que tava com a ficha na mão.
Balconista – Sem ficha, se refrigerante.

Marcelo apresenta uma ficha no balcão e avisa Laura.

Marcelo – Eu acho que você perdeu isso no chão, moça.

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