19º
Capítulo
Percebendo que
Zélia é uma mulher extremamente preconceituosa e conservadora, Ferradura
encontra a isca perfeita para separar Laura e Marcelo definitivamente.
Ferradura – Está e se me
permitem dizer, Marcelo Ruela é o pior tipo de traste da face da Terra... Ele
mora numa região muito mal localizada e nas crises vende tudo que vir a
frente... Ele matou o pai de desgosto e a mãe tá por um triz... Os manos lá da
boca já o juraram de morte...
Zélia,
enojada, leva uma das mãos aos lábios em sinal de espanto.
Zélia – Que horror!
Ferradura – Marcelo é
viciado em crack e como vocês sabem, não vai viver muito porque o destino
desses viciados é o crime que ou leva à prisão ou a morte...
Amauri (exaltado) –
E como é que nossa filha se envolve com um bandido desses? Onde é que ela o
encontrou?
Ferradura – Karinna.
Zélia – Eu te disse,
Amauri. Eu te disse que Karinna não vale nada.
Ferradura (assente com a cabeça, consente com Zélia)
- Karinna também é viciada...
Zélia (com asco de Karinna) –
Sempre desconfiei dela mesmo...
Ferradura (esbanja satanismo no olhar) – Karinna ainda
está na maconha, já se familiarizando com a cocaína. Ela apresentou um ‘amigo’,
no caso, o Marcelo. Ele tinha tudo pra ser um campeão, mas escolheu essa vida
de ficar se drogando e enchendo a cara, dando desgosto pra família e querendo
levar mais gente pro inferno com ele. É triste, meus pais de família. É muito
triste criar um filho e vê-lo se afundar nas drogas, virar bandido, então pra
que a Laura não se torne um verme nessa sociedade, por bem, separem Laura de
Marcelo.
Ferradura se
despede dos pais de Laura ostentando um sorriso maligno porque a desgraça
alheia o satisfaz. Sabe que depois dessa conversa, a menina irá se encrencar e
terá de se separar de Marcelo.
Zélia (já na porta de casa) –
Foi muito bom ter essa conversa com você, Carlos Henrique. É muito bom ter
professores assim, que se importam com os alunos, sobretudo com Laura...
Ferradura (cínico) –
Não faço mais que minha obrigação como mestre. Adeus!
Menos de 5
minutos depois que Ferradura foi embora, Laura chega a casa e é muito mal recebida. Zélia
abre a porta e recebe a filha mais nova com uma forte bofetada no rosto e a
puxa pelos cabelos, a jogando dentro de casa como se ela fosse uma sacola de
lixo.
Zélia – Até que enfim
chegou, noiada.
Laura (chocada, estarrecida, chorosa) – O
que eu fiz, mãe? Por que ta me batendo assim?
Amauri não
interfere na briga corporal entre mãe e filha, embora queira ouvir o parecer de
Laura acerca da situação.
Zélia (querendo matar Laura com pancadas) –
Você ainda pergunta o que fez? Você é muito cínica, não vale nada mesmo!
Quando Laura
se põe de pé, é empurrada contra a parede e mal consegue se apoiar, continuar de
pé.
Zélia – Que escárnio. Essa aí está tão bêbada
que nem de pé consegue ficar.
Laura (humilhada) –
Eu não bebo!
Zélia – Não vem me
passar conversa porque um professor seu esteve aqui e nos contou todos os seus
podres, Laura.
Laura - Que professor? Que professor esteve aqui em casa?
Zélia - Um professor que diga-se de passagem nos alertou que se você continuar levando a escola com a barriga, vai perder o ano.
Laura - Isso é uma calúnia.
Zélia - Nós tivemos acesso às suas notas parciais.
As notas parciais que Chiquinho falsificou para Ferradura entregar aos pais de Laura, para reforçar a ideia de que Marcelo é nocivo para a garota.
Laura - Que notas?
Zélia - Se desse o mínimo de valor ao sacrifício de seu pai para pagar as mensalidades, saberia.
Laura - O bimestre ainda não terminou e eu estou estudando muito para as provas.
Zélia (rebaixa a filha a nada) - Eu sabia que você era desprezível, mas não tanto. Fingir que entra na escola pra me despistar e depois sair pra fazer sei-lá-o-quê com o traste. (ameaça a filha) Pois fique sabendo que se você engravidar desse verme, não me considere mais sua mãe. Eu não vou ser vó de noiado, não vou levar pirralho ranhento em penitenciária e não aceito viúva de bandido debaixo desse teto.
Laura tenta se defender, mas Zélia está manipulada pelo discurso do "Prof. Carlos Henrique" e aproveita para destilar o ressentimento nutrido pela filha.
Laura - Que professor? Que professor esteve aqui em casa?
Zélia - Um professor que diga-se de passagem nos alertou que se você continuar levando a escola com a barriga, vai perder o ano.
Laura - Isso é uma calúnia.
Zélia - Nós tivemos acesso às suas notas parciais.
As notas parciais que Chiquinho falsificou para Ferradura entregar aos pais de Laura, para reforçar a ideia de que Marcelo é nocivo para a garota.
Laura - Que notas?
Zélia - Se desse o mínimo de valor ao sacrifício de seu pai para pagar as mensalidades, saberia.
Laura - O bimestre ainda não terminou e eu estou estudando muito para as provas.
Zélia (rebaixa a filha a nada) - Eu sabia que você era desprezível, mas não tanto. Fingir que entra na escola pra me despistar e depois sair pra fazer sei-lá-o-quê com o traste. (ameaça a filha) Pois fique sabendo que se você engravidar desse verme, não me considere mais sua mãe. Eu não vou ser vó de noiado, não vou levar pirralho ranhento em penitenciária e não aceito viúva de bandido debaixo desse teto.
Laura tenta se defender, mas Zélia está manipulada pelo discurso do "Prof. Carlos Henrique" e aproveita para destilar o ressentimento nutrido pela filha.
Amauri (tenta acalmar Zélia) –
Zélia, meu bem, deixe Laura falar.
Zélia (irredutível) –
Eu não caio em papo de drogado, Amauri.
Laura (emocionalmente descontrolada) –
EU NÃO SOU DROGADA.
Zélia – Depois daquele
papelão ridículo que você fez diante da louvável Dra. Alana, não me restam mais
dúvidas de que você precisa ser internada.
Laura – Eu não sou
louca, não sou drogada.
Amauri – E quem é esse
tal namorado, Laura?
Zélia - Como sai se relacionando com o primeiro maloqueiro que vê a frente?
Laura - Marcelo não é maloqueiro.
Zélia - Marcelo Ruela... Olha só o pseudônimo da criatura... Ruela... Um Zé Ruela, um noiado... Viciado em crack, Amauri? Acha que uma mãe quer isso pra uma filha? Por acaso foi essa a educação que eu te dei, menina? Eu, por acaso, sou um traste, um mau exemplo, achei meu corpo numa lata de lixo? Olha só pra você, criatura. Com os olhos vermelhos, nítidos de quem puxou um fumo, tonta, não falando coisa com coisa, vestindo esses trapos.
Laura chora de tristeza. Zélia não é e nunca será seu ídolo, sua melhor amiga. É mãe, porém ausente, de todas as maneiras que alguém pode ser, porque nesse caso a presença física é um choque, uma afronta.
Zélia - Eu queria saber onde foi que eu errei com você.
Amauri (se senta com Laura no sofá) - Zélia, por favor, não seja cruel.
Zélia - Cala a boca, Amauri. Laura precisa acordar pra vida e ninguém melhor do que eu pra fazer isso.
Zélia - Como sai se relacionando com o primeiro maloqueiro que vê a frente?
Laura - Marcelo não é maloqueiro.
Zélia - Marcelo Ruela... Olha só o pseudônimo da criatura... Ruela... Um Zé Ruela, um noiado... Viciado em crack, Amauri? Acha que uma mãe quer isso pra uma filha? Por acaso foi essa a educação que eu te dei, menina? Eu, por acaso, sou um traste, um mau exemplo, achei meu corpo numa lata de lixo? Olha só pra você, criatura. Com os olhos vermelhos, nítidos de quem puxou um fumo, tonta, não falando coisa com coisa, vestindo esses trapos.
Laura chora de tristeza. Zélia não é e nunca será seu ídolo, sua melhor amiga. É mãe, porém ausente, de todas as maneiras que alguém pode ser, porque nesse caso a presença física é um choque, uma afronta.
Zélia - Eu queria saber onde foi que eu errei com você.
Amauri (se senta com Laura no sofá) - Zélia, por favor, não seja cruel.
Zélia - Cala a boca, Amauri. Laura precisa acordar pra vida e ninguém melhor do que eu pra fazer isso.
Laura – Primeiramente
eu estou mesmo namorando...
Amauri - Está?
Laura - Estou, pai. Eu estou namorando... Mas o Marcelo não é isso que estão falando não. Ele é trabalhador, sustenta a mãe, vai à igreja e nunca fez nada de errado comigo, nunca fez nenhuma piada imbecil nem me ofendeu ou tentou me tocar com desrespeito. No sábado à noite nós frequentamos o grupo de jovens da igreja dele.
Zélia - Igreja de crente?
Laura - Sim, e o que tem contra?
Zélia - Como é que um pastor aceita um mau elemento desses na igreja?
Laura (ignora Zélia) - Nós cantamos, louvamos a Deus, ouvimos as palavras do Pastor, e vamos lanchar. Eu sempre estou em casa antes da meia-noite, porque Marcelo também treina pra competir.
Zélia - Competir quem se droga mais? Quem rouba mais? Quem deve mais pros traficantes?
Laura - Não, "mãe". Marcelo é um grande skatista, inclusive reconhecido fora do país. Ele só não se classificou pro X-Games porque não conseguiu patrocínio...
Zélia - Isso não é esporte...
Laura - É sim...
Zélia - Esporte é futebol, vôlei, basquete, natação... Skate? Skate não é esporte... É só ver no programa do Geraldo Bráulio que você vê quem são os skatistas. Está aí endeusando esse noiado até participar de uma batida policial, ser fichada pelos pracinhas e me matar de vergonha.
Amauri - Está?
Laura - Estou, pai. Eu estou namorando... Mas o Marcelo não é isso que estão falando não. Ele é trabalhador, sustenta a mãe, vai à igreja e nunca fez nada de errado comigo, nunca fez nenhuma piada imbecil nem me ofendeu ou tentou me tocar com desrespeito. No sábado à noite nós frequentamos o grupo de jovens da igreja dele.
Zélia - Igreja de crente?
Laura - Sim, e o que tem contra?
Zélia - Como é que um pastor aceita um mau elemento desses na igreja?
Laura (ignora Zélia) - Nós cantamos, louvamos a Deus, ouvimos as palavras do Pastor, e vamos lanchar. Eu sempre estou em casa antes da meia-noite, porque Marcelo também treina pra competir.
Zélia - Competir quem se droga mais? Quem rouba mais? Quem deve mais pros traficantes?
Laura - Não, "mãe". Marcelo é um grande skatista, inclusive reconhecido fora do país. Ele só não se classificou pro X-Games porque não conseguiu patrocínio...
Zélia - Isso não é esporte...
Laura - É sim...
Zélia - Esporte é futebol, vôlei, basquete, natação... Skate? Skate não é esporte... É só ver no programa do Geraldo Bráulio que você vê quem são os skatistas. Está aí endeusando esse noiado até participar de uma batida policial, ser fichada pelos pracinhas e me matar de vergonha.
Zélia faz cara
de nojo. O discurso de Laura não a convence nem um pouco.
Amauri (mais paciente que Zélia) – E
por que não nos contou que está namorando?
Laura - Marcelo me pediu pra fazer isso. Pra contar, falar a verdade...
Zélia (moralista) - Esse sujeito tem idade pra ser seu pai, Laura.
Laura - Ele tem 25 anos.
Zélia - Com tanto menino da sua idade, você tem de namorar um viciado em crack que rouba a própria mãe?
Laura - Ninguém escolhe por quem vai se apaixonar, mãe. Eu não tive culpa de gostar do Marcelo.
Zélia - Elisa jamais me daria esse tipo de desgosto! Jamais! Pela saudosa Elisa eu colocaria minhas duas mãos no fogo!
Amauri (para a filha) - Marcelo é seu primeiro namorado?
Laura (soluçando, com frio) - Sim... É...
Amauri - Faz quanto tempo que vocês estão juntos?
Laura - Quase dois meses.
Amauri reconhece que Laura nunca foi problemática e discorda da abordagem da esposa, especialmente porque se recorda muito bem do quanto Elisa também era maltratada pela mãe quando a contrariava. Ele se aproxima de Laura e oferece um lenço para a menina assoar o nariz.
Zélia - Aprontando debaixo do meu nariz por quase dois meses e eu, lógico, sou a última a saber.
Laura - Marcelo me pediu pra fazer isso. Pra contar, falar a verdade...
Zélia (moralista) - Esse sujeito tem idade pra ser seu pai, Laura.
Laura - Ele tem 25 anos.
Zélia - Com tanto menino da sua idade, você tem de namorar um viciado em crack que rouba a própria mãe?
Laura - Ninguém escolhe por quem vai se apaixonar, mãe. Eu não tive culpa de gostar do Marcelo.
Zélia - Elisa jamais me daria esse tipo de desgosto! Jamais! Pela saudosa Elisa eu colocaria minhas duas mãos no fogo!
Amauri (para a filha) - Marcelo é seu primeiro namorado?
Laura (soluçando, com frio) - Sim... É...
Amauri - Faz quanto tempo que vocês estão juntos?
Laura - Quase dois meses.
Amauri reconhece que Laura nunca foi problemática e discorda da abordagem da esposa, especialmente porque se recorda muito bem do quanto Elisa também era maltratada pela mãe quando a contrariava. Ele se aproxima de Laura e oferece um lenço para a menina assoar o nariz.
Zélia - Aprontando debaixo do meu nariz por quase dois meses e eu, lógico, sou a última a saber.
Laura – Com a mãe que
eu tenho, prefiro mil vezes me abrir com estranhos.
Zélia - Porque não reconhece a boa mãe que tem.
Laura - Porque você é cruel e manipuladora. Você é pior que uma ditadora.
Zélia - Pelo menos não sou eu que tenho um caso com um noiado. Você é uma ingrata, uma mal agradecida, isso sim.
Laura - Você está julgando o Marcelo sem conhecer. Isso não se faz, não se faz, não se faz nem com serpente... (aceita o colo do pai) Eu amo Marcelo.
Zélia - Porque não reconhece a boa mãe que tem.
Laura - Porque você é cruel e manipuladora. Você é pior que uma ditadora.
Zélia - Pelo menos não sou eu que tenho um caso com um noiado. Você é uma ingrata, uma mal agradecida, isso sim.
Laura - Você está julgando o Marcelo sem conhecer. Isso não se faz, não se faz, não se faz nem com serpente... (aceita o colo do pai) Eu amo Marcelo.
Zélia (debochada) – O
maloqueiro viciado que não vale uma pataca.
Amauri embala a filha sentada no colo dele.
Laura – Marcelo vai à igreja, ora bastante, é trabalhador, não fuma e nem bebe, não tem nenhum vício, me
entende, é muito carinhoso, romântico e nós saímos todos juntos. Karinna, Vini,
Daia, Adri, eu e até o Jonathan. Acham que a D. Isabel, rígida como é, ia deixar o
Adri e o pequeno Jonathan passearem se houvesse alguma coisa indecente?
(suspira alto, soluça) Eu queria saber que professor é esse que vem inventar
mentiras na casa dos outros...
Zélia – Esse professor
me abriu os olhos.
Amauri – O professor
Carlos Henrique leciona qual matéria, Laura? É por acaso alguma disciplina em
que você apresenta mais dificuldade?
Laura – Não tem
nenhum professor Carlos Henrique na minha escola.
Amauri (impressionado, estarrecido) –
Não?
Laura (afirma com convicção) –
Claro que não!
Zélia (não deixa Laura cantar vitória) –
Mas mesmo assim essa pessoa me abriu os olhos.
Laura (retruca a mãe) –
Te deixou com mais minhocas na cabeça do que você já tem.
Zélia – Se sumir
dinheiro e objetos dessa casa, sua vadia, eu te chuto pra fora de casa e te
mando pra cadeia. Lugar de drogado, de bandido é atrás das grades.
Amauri – Pois eu acho,
Zélia, que pra podermos concluir se Marcelo é bom ou não pra nossa filha, é o
conhecendo.
Zélia – Deus que me
livre esse maloqueiro entrar aqui em casa.
Amauri – Laura já é
uma mocinha e nós devemos dar um voto de confiança a ela.
Zélia (indignada, odiosa) –
Voto de confiança depois de tudo aquilo que ouvimos?
Amauri (reforça sua opinião) –
Eu ainda acredito na minha filha e não quero perde-la, portanto quero, Laura,
que você convide o Marcelo pra almoçar aqui no domingo.
Laura (emocionada) –
Posso? Posso mesmo?
Zélia (indiferente) –
Pois então que se virem na cozinha, pois eu me recuso a dar de comer pra
noiado.
Amauri
repreende Zélia com um olhar.
Amauri (para Laura) – Quero
que Marcelo venha aqui pra conhecermos esse rapaz, saber que intenções ele tem,
o que ele faz da vida, se ele realmente gosta de você...
Laura – Tenho certeza
que vocês vão mudar de opinião ao conhecê-lo.
Zélia – Ou termos
certeza de que ele não vale o que come.
Música: My immortal – Evanescence.
Laura respira fundo e sobe as escadas, onde vai para o quarto e fecha a porta. Deitada na cama, abraça um travesseiro, com a humilhação de Zélia ecoando os pensamentos, tomada por um mau pressentimento difícil de afugentar.
Laura respira fundo e sobe as escadas, onde vai para o quarto e fecha a porta. Deitada na cama, abraça um travesseiro, com a humilhação de Zélia ecoando os pensamentos, tomada por um mau pressentimento difícil de afugentar.
Casa de
Ferradura. Interior. Noite.
Música Megalomaniac
– Incubus.
Margareth, a mãe de Ferradura, é uma senhora que tem profundo desgosto da vida porque o filho mais velho só lhe aborrece. Ela dorme sem saber se irá acordar. O lugar em que mora é apenas um pretexto. O que parecia ser distante de sua realidade é sim o seu pior pesadelo. Um filho inescrupuloso, capaz de matá-la por dinheiro. Não há grades que o detenham, caso ele esteja destinado. Essa noite é apenas mais uma das tantas que Ferradura já a fez chorar. Deveria ser corriqueiro, mas não é e nunca vai ser. A essas alturas da vida, tudo que queria era desfrutar da aposentadoria, do carinho contagiante dos netos que nunca terá, não ao que depender de Ferradura.
Margareth vive sedada, trabalhando para que não lhe arranquem o pouco de dignidade que restou. Ao lado do criado-mudo um copo de água onde descansa a dentadura e uma garrafa de água, além de 3 caixas de remédios, um para impedir um infarto, outro calmante e outro para controlar os sintomas alérgicos.
Margareth, a mãe de Ferradura, é uma senhora que tem profundo desgosto da vida porque o filho mais velho só lhe aborrece. Ela dorme sem saber se irá acordar. O lugar em que mora é apenas um pretexto. O que parecia ser distante de sua realidade é sim o seu pior pesadelo. Um filho inescrupuloso, capaz de matá-la por dinheiro. Não há grades que o detenham, caso ele esteja destinado. Essa noite é apenas mais uma das tantas que Ferradura já a fez chorar. Deveria ser corriqueiro, mas não é e nunca vai ser. A essas alturas da vida, tudo que queria era desfrutar da aposentadoria, do carinho contagiante dos netos que nunca terá, não ao que depender de Ferradura.
Margareth vive sedada, trabalhando para que não lhe arranquem o pouco de dignidade que restou. Ao lado do criado-mudo um copo de água onde descansa a dentadura e uma garrafa de água, além de 3 caixas de remédios, um para impedir um infarto, outro calmante e outro para controlar os sintomas alérgicos.
Ferradura, viciado
em drogas, não aceita o tratamento, já chegou a ser preso diversas vezes e só
não foi levado para o presídio porque a ingênua e frágil senhora comove aos
policiais, implora por mais uma chance, prometendo que dali em diante o rapaz
vai tomar jeito e sair do vício, papo que nem mesmo ela acredita mais.
Ferradura já a
espancou diversas vezes, a assaltou, vendeu todos os objetos de valor e quando
está em abstinência torna-se completamente violento. Ela tem muito medo do futuro,
ainda mais que sua saúde não é das melhores e teme o que Ferradura é capaz de
fazer para ficar com a casa, único bem que o skatista ainda não penhorou para
custear o crack.
Sem dinheiro e
sono, Ferradura vaga pela cozinha onde faz a maio bagunça para ver se tem algo
que sirva como escambo. Apenas talheres, alguns potes de plástico, nada de
valioso. Com a luz apagada, abre e fecha armários. Mantimentos. Poucos.
Remédios.
Adrenalina,
rancor, suor frio, fétido, indiferente ao sofrimento da progenitora. Nulo remorso. Da última vez que fez uso da ‘pedra’, roubou o
rádio do carro de um cunhado. Sumiu por dias até darem o fato como esquecido.
Agora só resta um liquidificador e o micro-ondas. Até a TV de 29 polegadas ele já consumiu.
***
Amanhece. Já
estamos em Setembro, o inverno não é mais tão insuportável. Pelo contrário...
As flores já começam a surgir para adornar as ruas, anunciando que a primavera
está chegando.
Música: Ocean avenue – Yellowcard.
Música: Ocean avenue – Yellowcard.
Para Laura,
apenas mais um dia. Ainda assim, resolve abrir o coração com os amigos e lhes
contar sobre o desagradável incidente com os pais.
Colégio.
Pátio. Interior. Manhã.
Laura, Daiana
e Adriano lancham pipocas, refrigerantes, dadinhos, balas e chocolate. Daiana está
com raiva de Zélia.
Daiana – Professor Carlos
Henrique? Quem é esse?
Laura – Eu sei lá.
Não conheço ninguém com esse nome.
Adriano – Carlos Henrique?
Daiana – Você conhece
algum?
Adriano (pensativo) –
O Ferradura não se chama Carlos Henrique?
Daiana – Ah, mas acho
que o Ferradura não faria isso.
Laura – Eu mal
conheço o Ferradura. Falei com ele, o que? Duas vezes na vida, se falei. O que
ele teria pra falar de mim?
Adriano (sensato) –
O Ferradura nunca foi com a cara do Marcelo. Ele detesta até o Vini...
Daiana – Isso quem diz
são os invejosos. O Marcelo é amigo de todo mundo, cara. Que o Ferradura tem
treta com o Vini todo mundo sabe, mas acho que ele não jogaria tão sujo pra
cima do Marcelo.
Laura – Mas o único
lado bom disso, se é que posso considerar, é que meus pais agora fazem questão
de conhecer o Marcelo. Domingo ele vai almoçar lá em casa.
Daiana (empolgada) –
Vai mesmo?
Laura – Meu pai quer.
Adriano – Depois que
seus pais verem que o Marcelo é gente boa, não implicam mais.
Laura – Ah Adri, minha
mãe implica até com o Papa... Não diria isso tão facilmente.
Daiana – Mas não custa
nada ser otimista, né?
Laura (abraçando os amigos) –
Já que vocês insistem...
***
Música Megalomaniac – Incubus.
Ferradura se
drogou até dizer chega porque sem os pais de Laura flagrarem, além do
liquidificador e do micro-ondas, furtou também um cinzeiro que servia de
decoração na mesa de centro.
Agora,
sorrindo, o mau caráter caminha pelas ruas de barro e é mal visto porque todos
sabem o que a família dele passa.
Vizinha (numa janela) –
Se fosse meu filho, acabava com a raça dele num minuto só.
Antes mesmo
que se aproxime do portão, Ferradura vê o rabecão do IML estacionado em frente a
casa dele, vizinhos amontados, cochichando, outros se aproximando, mesmo com a
recomendação dos paramédicos para que afastem.
A irmã de
Ferradura está chorando compulsivamente enquanto dois profissionais carregam a
maca da mãe deles coberta de branco até dentro do furgão.
Ferradura idiota! Quem paga tudo o que ele faz de errado é a família :/
ResponderExcluirA mãe dele sofreu muito por causa do vício. O pai dele morreu de desgosto... Tudo que ele disse do Marcelo é o que acontece com ele...
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