-Era ‘isso’ que você queria
me mostrar?
-Não gostou, querida?
-NÃO.
-Olha como o quarto é grande,
meu bem.
Mayra está enjoada com o
cheiro do ambiente e reclama:
-Eca, que fedor, Nilton! Você
nunca abre essa janela não?
O aposento é totalmente
bagunçado e a cama está desarrumada, as portas do guarda-roupa estão operando
na ‘capacidade máxima’ porque Nilton soca as roupas ao invés de dobrá-las,
então toda manhã perde muito tempo tentando adivinhar o que está limpo ou não.
-Credo, que bagunça! Como é
que você se encontra nisso aqui?
-Pra tudo tem um jeito.
-Me desculpe, mas isso é
porquice.
-Não tenho tempo...
Mayra imita Nilton.
-Não tenho tempo. Por favor,
isso aí é atestado de porquice. Meia hora perdida pra dar jeito nessa bagunça é
meia hora a mais todos os dias.
Quando Mayra vê uma barata
saindo debaixo da cama, berra.
-Ui, esse lugar é nojento...
-Se quiser, pode dar uma
limpadinha.
-Quem tem que limpar é você,
afinal, é você que paga pra morar aqui.
-Mas agora você é minha
mulher...
-Não tua escrava.
Mayra abre a cortina repleta
de poeira e se assusta ao ver uma aranha marrom se mexendo por entre o tecido
amarelo mofado.
-Eu não vou limpar isso
sozinha.
Mayra se ocupa limpando o
quarto que dividirá com Nilton enquanto morarem em Curitiba e quando termina,
pergunta.
-Não tem nada pra comer?
-Tem, mas o dono inclui na
mensalidade...
-Poxa, eu to com fome...
Nilton dá com os ombros e faz
um beicinho que deixa Mayra irritada.
-Na casa da minha mãe eu
comia bem e ainda tinha sobremesa, dormia num quarto que dá 3 vezes o tamanho
desse e cheirava muito melhor.
-Então volte pra lá.
Mayra começa a chorar e fala
tão sério que arruma as malas.
-Ô Mayra, também não precisa
levar tão a sério nossa discussão.
-Você não ta levando a sério
nosso amor e ta me tratando de qualquer jeito. Sendo assim, volto com a minha
mãe. Pelo menos lá em casa tem televisão.
-Eu posso pedir ao dono da
pensão que coloque uma TV pra gente.
Mayra se senta na cama de
solteiro.
-Não é isso, Nilton! Você não
entende... Não sei se vou aguentar dividir uma cama de solteiro com você por 5
anos. E quando nosso filho nascer? Como é que vai ser?
-Ainda falta muito tempo pra
criança nascer...
-Os meses passam muito
rápido, Nilton. Quando vir já vou estar barriguda e morando nesse muquifo
fedorento. Não foi isso que eu sonhei pra mim...
-Você vai embora?
-VOU. VOU E VOU LIGAR PRA
MINHA MÃE ME ESPERAR NA RODOVIÁRIA.
-Mayra, minha flor... Pra que
tudo isso?
-Você não gosta de mim, não
ta nem aí pro que eu falo...
Nilton abraça Mayra.
-Por que não saímos respirar
ar puro, andar um pouco...
-Os problemas estarão aqui
quando voltarmos...
-E as soluções também...
Nilton e Mayra caminham de
mãos dadas e procuram a casa de Abílio e Conceição.
-Aposto como Laly ficará
feliz ao vê-la. – Nilton afaga a cabeça de Mayra
-Sinto tanta saudade dela...
Quem abre a porta é
Conceição, que os recepciona bem, mas não os convida para entrar.
-Tia, a Lalinha ta em casa?
-Não.
-A que horas ela costuma
voltar?
-Laly não mora mais conosco.
-E onde está?
-Não sabemos.
Abílio aparece na porta.
-Quem são, Conceição?
-Amigos de Laly. Desejam
saber sobre seu paradeiro.
-Não temos informações. –
responde Abílio
Caminhando pelas ruas, Mayra
chora e Nilton a conforta.
-Não se preocupe, May. Cedo
ou tarde nós a encontraremos.
Nilton percebe que está
casado e precisa tratar Mayra com carinho, tanto que resolve procurar um
emprego e alugar uma casa para morarem. O jovem casal tem sorte de conseguirem um
lar mobiliado e com o que ganham no emprego se manterem na cidade grande.
-Quando eu me formar vou te
proporcionar um padrão de vida bem melhor, May. Eu te prometo. Nosso filho vai
ter muito orgulho do pai que tem.
-Eu já tenho orgulho do
marido que tenho.
-Então vai ter mais ainda.
Mayra está trabalhando como
assistente de um salão razoavelmente de elite e mesmo grávida faz hora extra
para conseguir comprar o enxoval de Pepo, o filho que está esperando de Nilton.
-É menino, May?
-É sim, mãe. É Pepo.
-Pepo? Que orgulho! Seu pai
sempre quis tanto ter um menino e jurou que se chamaria Pepo.
-Pepo nascerá em Setembro.
-Assim como Lílian?
-Bem que ele poderia nascer
no mesmo dia...
Mayra gostaria de passar a
reta final da gravidez ao lado de Emília e Fernanda. No entanto, o orçamento
tem estado apertado e uma viagem de ônibus custaria caro.
Pepo nasce exatamente no
mesmo dia em que Lílian. A boa nova é que Mayra não só sobrevive como se sente
a mulher mais feliz do mundo.
-Como pode ser amar tanto alguém
que eu acabei de ver?
Mayra beija Pepo e Emília
tira uma fotografia do netinho.
-Seja bem-vindo ao mundo,
pequeno Pepo. Você nasceu para abençoar nossa família e torná-la muito mais
feliz, querido.
Nilton está caminhando aflito
na sala de espera porque como Mayra é muito jovem, poderia acontecer o mesmo
que vitimou Aimée, mas o obstetra responsável pelo trabalho de parto sorri e
faz sinal de positivo ao gordinho.
-MEU FILHO NASCEU!MEU FILHO
NASCEU!
Nilton sai pulando pelo
recinto sem se importar com o que pensarão dele.
-MEU FILHO NASCEU!MEU FILHO
NASCEU!
Pepo é saudável e já gordinho
como o pai, mas tem uma família apaixonada por ele, inclusive Iury, que pelo
telefone procura saber como estão May e Pepo.
-IURY, IURY... VOCÊ NEM
ACREDITA...
-Morreram também?
-Que prostração é essa,
rapaz? Sou pai.
-Nasceu?
-May e Pepo não poderiam
estar melhores. Pepo é maravilhoso.
Iury, às escondidas, guardou
consigo um sapatinho rosa que seria de Lílian e os olhos enchem-se de lágrimas
por pensar que a filha morreu junto com a mãe no parto.
-Se Lílian estivesse viva
estaria completando 1 aninho de vida... – pensa
Enquanto isso Gilberto e
Fernanda, em memória a Aimée, capricham na festinha de 1 ano de Lílian (tema
princesa) e o avô se sente sufocado pensando que um dia Lílian crescerá e terá
o desejo de saber mais sobre sua história, mas jura a si mesmo mais uma vez que
fará o que for preciso para que a menina jamais venha a saber que Iury é seu
verdadeiro pai.
Som: Angelina – Release me.
Perfumes caros, jogos de
cama, mesa e banho. Livros, muitos livros. Roupas sofisticadas para a estudante
de jornalismo. Nada de miséria e privação.
Estava próxima de me formar
em jornalismo e era uma das atrizes pornô mais bem pagas, tanto que era muito
raro ter um fim de semana de folga. Eu gostava dessa agitação toda, pois não me
sobrava tempo para julgamentos e arrependimentos. Ninguém da faculdade sequer
desconfiava da minha identidade paralela.
No primeiro semestre eu era a
caloura sem graça que limpava pratos sujos para dormir numa pensão fétida,
enquanto ao longo dos anos me mudei para um apartamento bem localizado no
centro da cidade o qual recebia amigos sempre que possível.
Não podia descuidar do
visual, pois ele era meu cartão de visitas. Meu corpo era meu templo, meu ganha
pão, minha fonte ilimitada de prazer e confusão.
Cláudio detestava magrelas e
era o tipo que se aventurava com pessoas bizarras e complicadas. Dizia que o
diferente o excitava. Até então eu não sabia da existência de bissexuais. Eu
não sabia nada da vida.
Não me apaixonava por ninguém
havia muito tempo, mas vinha mantendo alguns relacionamentos esporádicos. Nada
de muito sério. Meu trabalho era a prioridade, depois os homens. E eles
começaram a cair sobre meus pés... Aos montes...
A produtora do Cláudio fazia
filmes que iam direto para as locadoras ou eram exibidos em cines privês
mixurucas, por isso mesmo não me preocupava, pois o risco de algum conhecido me
ver como Judy Pankekinha era nulo.
Além de ser a queridinha do
Cláudio, que se tornou meu pai, passei a escrever roteiros e transformei as
pornochanchadas fuleiras em grandes sucessos do ramo erótico. Judy não era
apenas a gostosa que aparecia nos VHS... Além de tudo escrevia e levava a
obscura profissão muito a sério e Cláudio, por saber que eu estudava, adaptou
minha rotina as gravações e preservava muito não só minha identidade como a de
todos. Para qualquer efeito eu era secretária de uma agência de novos talentos.
Claro que muitas recalcadas
provocavam intrigas e quanto mais faziam isso, mais notoriedade meu nome
ganhava no circuito pornô. Eu era a diva, a diva do submundo, da putaria, mas
era diva, isso que me importava. Me amando ou não, era reconhecida. Por foder,
minha gente. Eu era a puta mais famosa do brasil. Uma baita puta, modéstia à
parte. Foda-se a censura, minha gente. Eu não nasci para agradar, só para
viver. Se era certo ou não, que se dane. Naquele momento era o meu caminho e eu
gostava de trilhá-lo, me sentia bem; era talvez tudo que eu queria ser para os
outros. Agora eu era dona da minha vida, a senhora do jogo. As cartas se
direcionavam para onde eu queria.
Os iniciantes em mim se
inspiravam, os experientes se curvavam. Mil vezes lenda. O mundo erótico se
rendia a Judy. Em menos de 5 anos eu já havia feito mais de 300 filmes, sendo
10 da saga de JP e diversas participações importantes em outras produções
patrocinadas por Cláudio.
Meu óculos pink com haste de
estrelas chegou a ser comercializado em sex shops e até nua eu iria pousar na
edição especial de aniversário da revista masculina. Nem mesmo as atrizes da
Toda Poderosa tinham tanta moral como eu. Podia falar qualquer asneira, fazer
qualquer exigência ridícula e nada disso fazia os homens mudarem a opinião a
meu respeito.
Outras revistas também me
sondavam, mas eu não iria expor meu lindo e sensual corpinho por qualquer
quantia mixuruca. Eu era Judy Pankekinha. Eu estalava os dedos e pisava no
tapete vermelho.
A revista em questão iria
desembolsar um ordenado altíssimo, um dos maiores, se não o maior já oferecido
a uma estrela. Bastava apenas assinar o contrato e eu estava ficando cada vez
mais gananciosa, ainda mais seguindo a risca os conselhos de Cláudio.
Ele priorizava bastante
prazer, dinheiro e carreira. Mesmo assim era um dos poucos com quem cheguei a
relatar brevemente meu passado.
-Agora eu posso parecer um
insensível, mas digo mais: você tomou a melhor decisão da sua vida se tornando
Judy. Acha mesmo que seria feliz se casando tão nova por crer que estava
‘apaixonada’?
Ele raciocinava como um
homem. Não poderia imaginar quantas noites sufoquei o choro e o amor dentro de
mim.
À medida que o cachê cresceu,
meus luxos também. Nem acreditei quando consegui quitar meu primeiro carro
seminovo e dei entrada num apartamento. Não estava nem aí para o que diriam.
Quando fiquei na pior e passei fome, me chutaram com força no chão, então agora
que estava vivendo um ótimo momento da minha vida, não queria palpites.
O Brasil não conhecia Laly.
Eu a odiava. Odiava as lembranças de infância, daquele último verão no litoral
e todas aquelas pessoas que se envenenaram por causa de Milene e Gustavo.
Gustavo pagaria por seus
crimes na cadeia. Confesso que às vezes assistia ao noticiário esperando por
uma rebelião em Piraquara na qual ele seria morto com requintes de crueldade.
Eu me excitava só de imaginá-lo degolado.
Mili e eu nos encontraríamos no inferno em breve. Nossa dívida já
estava quitada. Mesmo assim, algumas vezes, eu ainda tinha pesadelos com o dia
do sequestro e juro por Deus (apesar de ter me afastado dele) que ainda
conseguia Iury estourando o crânio de Milene quando ela iria atirar contra mim
novamente.
-Larga essa arma, Milene. – implorava – Baixa essa arma, se
entrega amigavelmente, Mili. Você tem a vida toda pela frente. Não a estrague
por causa de besteiras, por causa de mim...
Milene atirou contra a parede. A polícia estava cercando o local.
Uma intervenção teria sido muito menos desastrosa que os fatos em si, uma vez
que Milene atirou em Iury e eu me joguei a sua frente, sendo baleada e caindo
no chão.
Milene e Iury passaram a um duelo corporal. Iury desferia socos no
rosto de minha prima e eu gritava implorando para que ele parasse. Fora de si,
Milene o alvejou. Não acertou o peito como gostaria, então tentou mais uma vez.
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