A noite que não queria TERMINAR! (IMPERDÍVEL!)
O tombo cinematográfico que levei poderia ser tranquilamente exibido em programas de vídeo cacetadas. Mais: com direito a um merecido replay.
Ai meu braço!Ai que dor!
-MANHÊ!
-Lalinha! - gritaram as meninas
A dor travou todos os mecanismos de descrição. O que sei são as versões de Fer e Mayra.
Nilton estava chegando do trabalho quando me encontrou estirada sob a calçada molhada, chorando e chamando por minha mãe.
-Lalinha.
-Mãeeeee.
Nilton se responsabilizou pelo jantar enquanto May e Fernandoca me levaram ao pronto-socorro.
Abel, parecendo um sagüi de gravata borboleta, desceu da árvore e gargalhou ao me ver rendida. Revanche. Nada mais justo. Estávamos completamente quites.
Imitando uma galinha rebolando, se deliciava com meu braço previsivelmente fraturado.
-Bem-feito, bem –feitooooooo.
Estava tão fora de mim que sequer poderia articular uma boa réplica. Assim era fácil me vencer. E de novo aquela música (Tarzan boy – Baltimora).
Som: Cada um cada um – Claudio Zoli.
Gilberto continua preocupado com a demora de Fernanda e interroga Lílian durante o jantar.
-Tem certeza de que Fernanda não ligou?
-Ah vô, ela já é adulta...
-É adulta, mas não deixa de ser minha filha.
-Ela deve estar bem.
-Mas não disse que ia demorar tanto.
-Ela vai chegar daqui a pouco. Decerto foi ver novela com a May.
-Que visse aqui.
-Você mesmo disse uma vez que mal vê a hora que a Fernanda case porque não quer criar solteirona dentro de casa.
-Quando eu disse isso?
-Sempre que fica brabo.
-Quando você tiver filhos e eles demorarem, vai entender como funciona.
-Não pretendo ter filhos.
-E ainda não deveria pensar nisso. É criança demais.
-Nem gosto de criança mesmo...
-Com a criminalidade crescendo por aí, tenho meus motivos para me preocupar...
-Vô, não acha que está se esquecendo de uma coisa?
-Já sei... Ligar pra Mayra?
-Vô, lembra que quando eu não queria me apresentar porque tinha medo de que caçoassem de mim e você me dizia sempre que quanto mais eu pensasse nisso, mais chances teriam de isso acontecer?Não lembra?Então, vô. Não pense o pior... A Fernanda logo volta...
Gilberto se vê obrigado a concordar com a neta.
Toca Tarzan boy – Baltimora.
-Que sinistro!Esse taxi ta seguindo a gente desde lá de casa. – Mayra frisou
-Quem mais seria? – Fernanda concluiu
-O cara, além de ser um cara de pau, deve ser cheio da grana pra torrar com taxi... Os motoristas daqui metem a faca mesmo...
Deitada no banco traseiro de meu próprio carro, chorava e me retorcia. Sou intolerante a dor, tenho verdadeiro pavor de sangue, machucados e mais ainda de hospital. Quanto menos precisar estar lá, tanto melhor.
-Lalinha?
Nãoooooo!
-Iury?De plantão?
Mayra estendeu a mão para cumprimentar Iury. Era só o que me faltava...
-E Pepo, como vai? – Iury, muito simpático, perguntou
-Travesso que só.
Mayra, afagando minha cabeça na maca, respondeu.
-Já passou de ano e ta curtindo as férias.
-Puxou mesmo o pai.
Fernanda parecia indignada com o fato de Abel estar junto no P.S. como se fosse parente.
-Quebrou um braço, mas está mais forte que um touro.
Abel gesticulava falando ao celular e sempre olhando na minha direção. Mayra, educadamente, fechou a porta.
Fiz um raio-x no braço esquerdo e em seguida Iury o engessou.
Fer e Mayra fizeram questão de contar detalhe por detalhe de meu fatídico dia.
-Pelo menos 30 dias de repouso, leoa.
-A Laly não é do tipo que gosta de repousar. – Fer admitiu
-Tenho de concordar.
Quem diabos deu autorização para o cafajeste entrar? Cínico miserável.
-Namorado? – Iury, confuso, perguntou
-Sou marido dela. – Abel se vangloriou
-Vá sonhando! – resmunguei em voz alta
-Você é casado, Abel. Por que não volta pra sua mulher e deixa a Laly em paz?
Mayra se sentiu na obrigação de expulsá-lo.
-Casado? – Iury pestanejou
E de repente minha vida cabia direitinho no roteiro de uma sitcom fuleira. Os personagens lutavam contra o tempo para apanhar os papeis principais . O enredo era bastante simples e por isso mesmo despertava tanta curiosidade por parte dos espectadores.
Judy morreu, mas a veia artística sobrevivia a extenuante jornada de trabalho e retornava nas férias, transformando dias aparentemente pacatos em pauta perfeita para entreter a velha e nova geração de fofoqueiros da cidade.
-Que é isso no seu braço, Laly?
Gilberto não conseguiu dormir enquanto não nos viu entrar pela porta principal.
-Ela quebrou o braço, vô. – respondeu Lílian
-Disso eu sei, mas como?
-Andando de skate, pai. A Laly, a May e eu resolvemos reviver os velhos tempos e aconteceu um pequeno acidente.
-Pequeno?
Lílian roubava a cena.
-Você chama isso de ‘pequeno acidente’?
-Mas fora isso ta tudo bem, né, Lalinha?Sabe que se precisar de qualquer coisa é só me chamar.
-To bem, seu Gilberto. Obrigada pela preocupação.
-Que susto vocês deram na gente hoje, meninas. Da próxima vez que vocês demorarem, me avisem, pois fico muito preocupado.
-Foi só um imprevisto, pai. Um imprevisto que já está resolvido, não é mesmo, Laly?
-Lhe garanto, seu Gilberto. Lhe garanto que Fer tem toda a razão.
-Então, se é assim, posso ir dormir sabendo que tudo está bem...
Tudo que eu queria era me deitar, dormir e apagar aquele dia da memória, de preferência pra sempre.
-Vou assistir ao programa da Pra. Constantina. Se precisar de alguma coisa, grita. – Fer avisou
Fernanda não consegue dormir antes da meia-noite. Eu, pra falar a verdade, também não, no entanto, naquela noite abriria uma exceção.
-Lalinha, se precisar de alguma coisa, pode dormir lá no quarto, ta?
Lílian apareceu na porta antes de dormir. Que gracinha.
-Pode ir dormir tranqüila, flor. Eu vou ficar bem.
-Tem certeza?
-Absoluta, criança.
Deitei-me e tentei não repassar nenhum fato recente. Caso o fizesse, a descarga de adrenalina me impediria de descansar. Fechei meus olhos e me concentrei nas músicas ambientes da rádio de easy listening que desde a minha infância estava no ar. O repertório, com exceção de uma novidade ou outra, era intocável. Minha mãe adorava as canções e costumava colocar quando eu era bebê para que parasse de chorar. Sempre funcionou.
De repente aquele clarão em frente à janela do quarto. Mesmo com o rádio ligado em um volume bem baixo, podia ouvir os burburinhos da vizinhança.
Movimentação àquela hora da noite só podia significar duas coisas: enchente ou homicídio. Descartando a primeira hipótese por questão lógica, nem tive tempo de raciocinar, pois em seguida o chiado do microfone me confundiu completamente.
-1,2,3... Testando... Testando... 1,2,3... Testando, testando...
Assim começava a noite que não queria terminar...
CONTINUA...
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