Ver minha irmã sofrendo pela falta da filha me partia o coração. Débora era minha sobrinha e além do mais o problema da Madalena era apenas comigo. Resolvi pedir ajuda à Valentina.
- Valentina, você sabe onde esses góticos andam?
- Não tá pensando em ir até lá?
- Já pensei. Onde eles ficam?
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A última vez que eu entrei num cemitério foi quando a avó de uma amiga minha morreu há anos atrás. Mas não foi à noite. Estávamos bem em frente ao cemitério do Parque Bom Jardim, que ficava no nosso bairro, mas um pouco distante da minha casa.
- Tem certeza de que quer continuar, Berg? – perguntou Valentina.
Até pensei em desistir. Aquilo era trabalho pra polícia. Mas se tratando de um bebê inocente nas mãos de loucos sanguinários eu não podia desistir.
- Vambora, Valentina. – respondi. – É hoje que a Débora volta pra casa e aquela gótica filha da puta vai pra cadeia!
Precisamos pular o muro. Pra vida de um nerd aquilo não se encaixava e não combinava nem um pouco. Mas quanta loucura eu já tinha feito até ali! Pelo menos não tinha cachorro, né.
Os pegas-ladrões improvisados de garrafas de vidro pinicavam na minha bunda e eu acabei rasgando um pouco a minha calça jeans ao pular. Valentina nem precisou da minha ajuda.
- Pensei que você tivesse experiência. – brincou ela.
- Não tenho nada. Mas o que eu não faço por quem eu amo, não?
- Será que você pularia se os cachorros da minha avó estivessem aqui?
- Olha Valentina!- apontei para o norte.
Alguns jovens góticos estavam reunidos tomando vinho barato, declamando poemas e alguns se beijando e quase transando em cima dos túmulos.
- Será que se a gente se aproximar eles vão achar ruim? – perguntei.
- Não é uma boa ideia. Esses caras são os maiores antissociais. Tá vendo a Madalena?
- Ela tá ali quase se comendo com o marido dela. Só a Débora que não tá por ali.
- Vamos ficar de olho naqueles dois e quando eles saírem a gente mete o pé e segue eles. Essa história vai ter um fim nessa madrugada.
Minha barriga estava gelada e quase eu não conseguia me concentrar. Depois dos poemas começaram a cantar algumas músicas, o que me fez perder a paciência.
- Ah bando de idiotas! – peguei uma pedra e joguei.
- Berg seu louco.
A pedra foi bem em cima do namorado da Madalena. Até que a ideia deu certo. Os dois tiveram que pular o muro para ir pra casa e cuidar dos ferimentos.
Diário do Rafa
Na casa da família Araújo, ninguém dormia, ninguém comia. Não se fazia nada lá a não ser rezar e chorar. Resolvi ficar lá, afinal a filha também é minha. Meu problema com o exército eu resolveria depois. E pensar que eu cheguei bem na porta!
Berg e Valentina haviam sumido, pra completar o desespero dos pais dele.
- A culpa é sua! – disse meu ex-sogro. – Você não tinha nada que abandonar a sua filha e a sua esposa.
- Olha aqui, quem resolveu sair foi a Andreza. Eu não a obriguei a nada.
- Eu saí por que você é um bruto. E você me traiu! - defendeu-se Andreza.
- Eu estava bêbado!
Diário da Valentina
Saímos correndo rua adentro com o Berg reclamando que a sua calça estava rasgada e a bunda dele também.
- Vamos, seguindo em frente Berg. A ideia foi sua, mas eu to adorando isso!
- É por que a dor não é em você. Aaai!
Eles entraram no meio da favela e lá chegaram a uma casa que devia ser mega fedida por dentro. Entraram e, talvez pelo desespero ( Richard veio derramando sangue da cabeça o caminho todo) deixaram a porta aberta.
-Porra cara, deixaram a porta aberta. – falei.
- Vamos entrar, ora!
Enquanto Madalena tentava estancar o sangue de Richard, Débora chorava muito em cima da cama. Parecia suja e com fome.
- Manda essa menina calar a boca, Madá.- disse Richard.
- Ela não me escuta amor!
- Deve estar com fome!
- Não tem comida pra ela.
- Dá vinho! Ai, tá doendo demais.
Enquanto isso Berg foi correndo até o quarto pra pegar a criança. Continuei escutando a conversa dos dois:
- Chama a ambulância, Madá.
- Tá maluco? A polícia tá atrás da gente. Aqueles filhos da mãe querem me pegar. Vou lá no quarto pegar o curativo. Segura esse pano aí.
Berg vinha na direção da porta com Débora nos braços quando foi surpreendido por Madalena. Corri e fui pra cima dela, quando desferi um soco no seu rosto.
- Corre Berg!
- E você?
- Me deixa!
Berg correu, mas Richard estava pronto com um revólver na mão.
- Daqui ninguém sai. Aqui ninguém entra. – Disse ele com uma voz macia. Nem parecia que ele estava nos ameaçando.
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