18º
Capítulo
Música Megalomaniac – Incubus. Ferradura
está tão obcecado por Laura que começa a segui-la sem que ela perceba, a fim de
descobrir em que escola e turno ela estuda, quem são seus amigos e o mais
importante: o endereço de casa.
Escola.
Interior. Manhã.
Assim que o
turno de aulas se inicia, Ferradura, usando um traje mais formal, pede licença
para adentrar a instituição e procurar a secretaria. Quando chega ao lugar onde
quer, um senhor de aparentemente 55 anos o atende num balcão.
Secretário – Bom dia,
senhor.
Ferradura – Bom dia, mas
não precisa me chamar de senhor porque não sou casado.
Secretário – Precisa de
ajuda?
Ferradura – Eu acho que
sim. Pode me dar uma informação?
Secretário – Nossa instituição
de ensino não permite a liberação de dados pessoais de nosso corpo discente.
Ferradura
precisa mudar a estratégia de abordagem ou então seus planos estarão
arruinados.
Escola. Sala
de Laura. Manhã.
Aula de Artes.
Adriano, Daiana e Laura estão sentados com as carteiras grudadas conversando e
o resto da turma também, cada um com seu grupinho. O professor está sentado na
carteira.
Adriano é
muito talentoso, pois sem fazer qualquer curso, desenha muitíssimo bem, tem
traços de um artista. Já Daiana brinca.
Daiana – Enquanto o
Adri desenha até a Mona Lisa, eu levo um século pra desenhar um boneco de
palitinho.
Laura – Quando eu era
criança adorava desenhar, mas aí cresci e hoje só desenho quando vale nota. Pra
vocês terem uma ideia, meus mapas do Brasil mais parecem panquecas de
espinafre, mas, bem, zero eu nunca tirei.
Daiana – Agradeça por
desenhar as panquecas do Brasil porque eu nem mesmo fazia isso. – confessa –
Minha mãe fazia pra mim.
Laura (brincando) –
Assim não vale, Daiana.
Adriano está
tão compenetrado em desenhar que nem vê o tempo passar. Quando o professor
começa a passar de fileira por fileira, acaba prestando atenção nos dotes
artísticos do menino.
Professor de Artes –
E aí, Daiana? Muita inspiração?
Daiana – Ai,
professor, só Daia... – sincera – Acordei sem inspiração.
Professor de Artes (irônico) – Pois
no final do bimestre eu também vou acordar sem inspiração pra lançar sua nota. –
nota Adriano – Parece que seu marido gosta muito de desenhar...
Adriano (modesto, tímido) – Gosto
de desenhar pra fazer passar o tempo, professor.
Professor de Artes –
Pois se sai muito bem nas horas vagas. Posso ver?
Adriano
empurra lentamente o caderno na direção do professor que analisa o trabalho do
garoto e diz.
Professor de Artes –
Como artista plástico, sempre encontro defeitos nas obras, mas não por maldade,
mas porque a missão do artista é percorrer a perfeição sem perder a essência.
Todo artista tem a sua e você tem muito potencial, muito a explorar, tem uma
técnica boa... Tem certeza de que nunca fez curso?
Adriano – Nunca.
Professor de Artes –
Pois meus parabéns, Adriano. – cumprimenta o menino com um aperto de mão – Você
tem um fã. Já sabe o que pretende ser?
Adriano – Por enquanto
não.
Professor de Artes – Uma boa
sugestão pra você, caso queira aceitar, é Artes Visuais, não tenha dúvida de
que você tem tudo pra vencer. Eu vou te dar um 10.
Daiana e Laura – 10?
Professor de Artes (para Adriano) –
E você poderia, Adriano, dar umas aulinhas pra sua esposa...
Adriano e
Daiana ficam encabulados. Laura ri.
Casa de
Ferradura. Sala. Tarde.
Ferradura está
usando o computador em casa e digita o nome completo de Laura em um site de
buscas, descobrindo mais a respeito da trágica morte de Elisa, no ano anterior.
Música Megalomaniac – Incubus.
O assunto o interessa, pois o skatista apoia o cotovelo na mesa e põe a ler o
artigo por inteiro.
Curitiba.
Ruas. Carro de Marcelo. Noite.
Laura está um
pouco mais depressiva porque seu aniversário está chegando e será o primeiro
sem a presença de Elisa. É fato que tem sobrevivido, feito quase tudo que uma
adolescente normal faz, mas às vezes a revolta a abraça e ela se questiona
acerca da morte da irmã, não se conformando com os argumentos utilizados por
Marcelo e pela doutrina dele.
O casal voltou
de mais uma reunião da igreja, mas não troca uma palavra. Laura está sentada no
banco do passageiro. Marcelo dirige, está concentrado nisso, porém se preocupa
com o silêncio da namorada que deixa a noite mais fria do que já está.
Marcelo – Algum problema,
minha menina?
Laura – Não, amor, eu
to bem.
Marcelo – Não mente pra
mim.
Laura – Você nunca
perdeu ninguém que amava?
Marcelo – Claro que já,
Laura. A vida não poupa ninguém dos percalços.
Laura – E você não
sente um pingo de falta das pessoas?
Marcelo – Eu não
questiono as obras de Deus.
Laura – Você acha
mesmo que Deus queria que minha irmã fosse brutalmente assassinada porque esse
era o destino dela: viver 19 anos e justo quando ta realizando todos os sonhos,
um bandido vir e acabar com tudo?
Marcelo – Deus sabe o
que faz.
Laura – Sim, eu não discordo
disso, mas não entendo qual é o intuito de uma pessoa inocente que tinha uma
vida toda pela frente morrer sem qualquer explicação.
Marcelo – O salário do
pecado é a morte.
Laura - Me desculpa,
mas não consigo acreditar que Deus seja vingativo.
Marcelo – Deus não é
vingativo.
Laura – Pois é essa a
impressão que eu to tendo.
Marcelo – Essas dúvidas
que você está tendo são obras do inimigo. Você tem que ser mais forte que esses
pensamentos.
Laura – Por que vocês
não assumem as responsabilidades pelas próprias atitudes?
Marcelo – O que quer
dizer com isso?
Laura (desabafa) – Vocês costumam
culpar o diabo por tudo. – gesticula – Está sem emprego? A culpa é do capeta!
Não veio na reunião? O diabo não deixou...
Marcelo – Por que você
quer me magoar, Laura? Eu falei alguma coisa que te deixou sentida? Foi isso?
Laura (abre o jogo) –
Eu só nunca vou aceitar alguns desígnios de Deus, só isso.
Marcelo – Mas certas
coisas não foram feitas pra serem compreendidas.
Laura – Você não me
entende, Marcelo.
Marcelo – Não vou
entender se você não deixar.
Laura – Eu acho que a
gente não devia ter misturado as coisas...
Marcelo – Você ta
querendo dar um tempo...
Laura – Não, eu não
to querendo.
Marcelo – Se não é, é o
que ta parecendo.
Laura – Não coloca
palavras na minha boca, Marcelo. Não me enche.
Marcelo para o
carro no acostamento para discutir.
Marcelo – Pode me dizer
o que foi que eu te fiz pra você me tratar com tanta rispidez?
Laura – Eu acho que a
gente não devia ter ido tão longe com esse negócio de igreja. – coloca as mãos
no rosto – É tudo, Marcelo. Eu to de cara com a vida, com religião, com tudo.
Marcelo – Eu também não
aguento mais namorar às escondidas. Me sinto um marginal, um tarado, sei lá.
Laura – É esse o
problema, meu amor.
Marcelo tira o
cinto de segurança para poder tocar Laura que está prestes a desmoronar.
Laura – Eu não queria
te falar isso...
Marcelo (protege Laura com os braços) –
Você sabe que eu sou seu namorado e que além de tudo sou seu amigo, seu melhor
amigo, se você quiser. Eu quero que você me conte o que sente, não esconda as
coisas de mim...
Laura – Eu não quero
te apresentar pra minha mãe.
Marcelo (tira os cabelos de Laura dos olhos dela) – E
por que, minha menina? – a enche de beijos no rosto – Por que, meu amor?
Laura – Porque minha
mãe não é legal como a sua, meu amor, não é comunicativa como a D. Paula e até
a D. Isabel, mesmo toda rigorosa, é mais cabeça aberta que ela.
Marcelo – Isso não quer
dizer nada, ora. Sua mãe deve ser um pouco mais retraída.
Laura – Você não
entende...
Marcelo – Sua mãe não
te deixa namorar?
Laura – Pior, meu
amor: ela não vai deixar que eu te veja mais.
Marcelo – Mas por quê?
O que tem de errado? É só por causa da diferença de idade ou tem mais algum
impedimento?
Laura,
chorando muito, apenas abraça Marcelo. Música If
you (lento mix) – Magic Box. Marcelo e
Laura continuam abraçados por algum tempo até o rapaz deixar Laura em casa.
Casa de Laura.
Interior. Noite.
Ferradura está
conversando com os pais de Laura. Para os adultos, o skatista se passa por um
professor de Laura aparentemente preocupado com a apatia estudantil da garota,
o que é uma calúnia, uma vez que Laura melhorou muito o rendimento após o
início do namoro com Marcelo.
Ferradura – Os adolescentes
costumam ficar mais desleixados quando costumam iniciar um relacionamento.
Amauri – Até onde é de
nosso conhecimento, Laura não está namorando.
Zélia – Tenho de
concordar com meu esposo, caro professor Carlos, mas Laura não pensa muito em
garotos, só está mesmo transtornada pela perda da irmã...
Amauri – Mas está aos
poucos superando...
Ferradura – Mesmo assim,
deveriam ler os diários da garota, se informar mais a respeito das companhias
dela...
Zélia – Laura anda
com umas amizades que eu particularmente não gosto muito, mas como mãe, só
quero o melhor pra ela.
Ferradura (destilando o veneno) –
Deveria separá-la dessas pessoas.
Amauri – Eu discordo,
professor. Julgo que estar entre amigos foi o diferencial pra Laura. Nos
primeiros meses após a perda de Elisa, era difícil fazer Laura acordar pra ir à
aula, então vê-la passeando, sorrindo, isso pra mim não tem preço que pague.
Ferradura – Mas talvez o
preço que vocês paguem mais tarde seja muito caro.
Amauri – Laura pode
ter quase 15 anos apenas, mas eu confio nela.
Ferradura (consentindo) –
Sim, eu sei que Laura é uma menina incrível, mas veja bem... – cruza as pernas
para prosseguir o discurso – Ela é uma menina ainda, é muito vulnerável e
carente como está, acredita que o namorado a ama, então para agradá-lo é muito
capaz de aceitar as drogas...
Zélia – Isso seria um
desgosto muito grande pra mim.
Ferradura –
Então cogite essa possibilidade, dona Zélia. Longe de ser sensacionalista ou
causar qualquer tipo de mal estar, a senhora sabe, como professor, pedagogo e
profundo entendedor da juventude, digo que é nessa fase de autoafirmação que a
menina Laura pode cair no submundo das drogas e se afundar pra sempre... Ela
pode ser inocente, mas o mundo não é, muito menos o tal namorado dela.
Amauri – Laura está
mesmo namorando?
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