quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Resistência - 18º Capítulo



18º Capítulo

Música Megalomaniac – Incubus. Ferradura está tão obcecado por Laura que começa a segui-la sem que ela perceba, a fim de descobrir em que escola e turno ela estuda, quem são seus amigos e o mais importante: o endereço de casa.


Escola. Interior. Manhã.

Assim que o turno de aulas se inicia, Ferradura, usando um traje mais formal, pede licença para adentrar a instituição e procurar a secretaria. Quando chega ao lugar onde quer, um senhor de aparentemente 55 anos o atende num balcão.

Secretário – Bom dia, senhor.
Ferradura – Bom dia, mas não precisa me chamar de senhor porque não sou casado.
Secretário – Precisa de ajuda?
Ferradura – Eu acho que sim. Pode me dar uma informação?
Secretário – Nossa instituição de ensino não permite a liberação de dados pessoais de nosso corpo discente.

Ferradura precisa mudar a estratégia de abordagem ou então seus planos estarão arruinados.

Escola. Sala de Laura. Manhã.

Aula de Artes. Adriano, Daiana e Laura estão sentados com as carteiras grudadas conversando e o resto da turma também, cada um com seu grupinho. O professor está sentado na carteira.

Adriano é muito talentoso, pois sem fazer qualquer curso, desenha muitíssimo bem, tem traços de um artista. Já Daiana brinca.

Daiana – Enquanto o Adri desenha até a Mona Lisa, eu levo um século pra desenhar um boneco de palitinho.
Laura – Quando eu era criança adorava desenhar, mas aí cresci e hoje só desenho quando vale nota. Pra vocês terem uma ideia, meus mapas do Brasil mais parecem panquecas de espinafre, mas, bem, zero eu nunca tirei.
Daiana – Agradeça por desenhar as panquecas do Brasil porque eu nem mesmo fazia isso. – confessa – Minha mãe fazia pra mim.
Laura (brincando) – Assim não vale, Daiana.

Adriano está tão compenetrado em desenhar que nem vê o tempo passar. Quando o professor começa a passar de fileira por fileira, acaba prestando atenção nos dotes artísticos do menino.

Professor de Artes – E aí, Daiana? Muita inspiração?
Daiana – Ai, professor, só Daia... – sincera – Acordei sem inspiração.
Professor de Artes (irônico) – Pois no final do bimestre eu também vou acordar sem inspiração pra lançar sua nota. – nota Adriano – Parece que seu marido gosta muito de desenhar...
Adriano (modesto, tímido) – Gosto de desenhar pra fazer passar o tempo, professor.
Professor de Artes – Pois se sai muito bem nas horas vagas. Posso ver?

Adriano empurra lentamente o caderno na direção do professor que analisa o trabalho do garoto e diz.

Professor de Artes – Como artista plástico, sempre encontro defeitos nas obras, mas não por maldade, mas porque a missão do artista é percorrer a perfeição sem perder a essência. Todo artista tem a sua e você tem muito potencial, muito a explorar, tem uma técnica boa... Tem certeza de que nunca fez curso?
Adriano – Nunca.
Professor de Artes – Pois meus parabéns, Adriano. – cumprimenta o menino com um aperto de mão – Você tem um fã. Já sabe o que pretende ser?
Adriano – Por enquanto não.
Professor de Artes – Uma boa sugestão pra você, caso queira aceitar, é Artes Visuais, não tenha dúvida de que você tem tudo pra vencer. Eu vou te dar um 10.
Daiana e Laura – 10?
Professor de Artes (para Adriano) – E você poderia, Adriano, dar umas aulinhas pra sua esposa...

Adriano e Daiana ficam encabulados. Laura ri.

Casa de Ferradura. Sala. Tarde.

Ferradura está usando o computador em casa e digita o nome completo de Laura em um site de buscas, descobrindo mais a respeito da trágica morte de Elisa, no ano anterior. Música Megalomaniac – Incubus. O assunto o interessa, pois o skatista apoia o cotovelo na mesa e põe a ler o artigo por inteiro.

Curitiba. Ruas. Carro de Marcelo. Noite.

Laura está um pouco mais depressiva porque seu aniversário está chegando e será o primeiro sem a presença de Elisa. É fato que tem sobrevivido, feito quase tudo que uma adolescente normal faz, mas às vezes a revolta a abraça e ela se questiona acerca da morte da irmã, não se conformando com os argumentos utilizados por Marcelo e pela doutrina dele.

O casal voltou de mais uma reunião da igreja, mas não troca uma palavra. Laura está sentada no banco do passageiro. Marcelo dirige, está concentrado nisso, porém se preocupa com o silêncio da namorada que deixa a noite mais fria do que já está.

Marcelo – Algum problema, minha menina?
Laura – Não, amor, eu to bem.
Marcelo – Não mente pra mim.
Laura – Você nunca perdeu ninguém que amava?
Marcelo – Claro que já, Laura. A vida não poupa ninguém dos percalços.
Laura – E você não sente um pingo de falta das pessoas?
Marcelo – Eu não questiono as obras de Deus.
Laura – Você acha mesmo que Deus queria que minha irmã fosse brutalmente assassinada porque esse era o destino dela: viver 19 anos e justo quando ta realizando todos os sonhos, um bandido vir e acabar com tudo?
Marcelo – Deus sabe o que faz.
Laura – Sim, eu não discordo disso, mas não entendo qual é o intuito de uma pessoa inocente que tinha uma vida toda pela frente morrer sem qualquer explicação.
Marcelo – O salário do pecado é a morte.
Laura - Me desculpa, mas não consigo acreditar que Deus seja vingativo.
Marcelo – Deus não é vingativo.
Laura – Pois é essa a impressão que eu to tendo.
Marcelo – Essas dúvidas que você está tendo são obras do inimigo. Você tem que ser mais forte que esses pensamentos.
Laura – Por que vocês não assumem as responsabilidades pelas próprias atitudes?
Marcelo – O que quer dizer com isso?
Laura (desabafa) – Vocês costumam culpar o diabo por tudo. – gesticula – Está sem emprego? A culpa é do capeta! Não veio na reunião? O diabo não deixou...
Marcelo – Por que você quer me magoar, Laura? Eu falei alguma coisa que te deixou sentida? Foi isso?
Laura (abre o jogo) – Eu só nunca vou aceitar alguns desígnios de Deus, só isso.
Marcelo – Mas certas coisas não foram feitas pra serem compreendidas.
Laura – Você não me entende, Marcelo.
Marcelo – Não vou entender se você não deixar.
Laura – Eu acho que a gente não devia ter misturado as coisas...
Marcelo – Você ta querendo dar um tempo...
Laura – Não, eu não to querendo.
Marcelo – Se não é, é o que ta parecendo.
Laura – Não coloca palavras na minha boca, Marcelo. Não me enche.

Marcelo para o carro no acostamento para discutir.

Marcelo – Pode me dizer o que foi que eu te fiz pra você me tratar com tanta rispidez?
Laura – Eu acho que a gente não devia ter ido tão longe com esse negócio de igreja. – coloca as mãos no rosto – É tudo, Marcelo. Eu to de cara com a vida, com religião, com tudo.
Marcelo – Eu também não aguento mais namorar às escondidas. Me sinto um marginal, um tarado, sei lá.
Laura – É esse o problema, meu amor.

Marcelo tira o cinto de segurança para poder tocar Laura que está prestes a desmoronar.

Laura – Eu não queria te falar isso...
Marcelo (protege Laura com os braços) – Você sabe que eu sou seu namorado e que além de tudo sou seu amigo, seu melhor amigo, se você quiser. Eu quero que você me conte o que sente, não esconda as coisas de mim...
Laura – Eu não quero te apresentar pra minha mãe.
Marcelo (tira os cabelos de Laura dos olhos dela) – E por que, minha menina? – a enche de beijos no rosto – Por que, meu amor?
Laura – Porque minha mãe não é legal como a sua, meu amor, não é comunicativa como a D. Paula e até a D. Isabel, mesmo toda rigorosa, é mais cabeça aberta que ela.
Marcelo – Isso não quer dizer nada, ora. Sua mãe deve ser um pouco mais retraída.
Laura – Você não entende...
Marcelo – Sua mãe não te deixa namorar?
Laura – Pior, meu amor: ela não vai deixar que eu te veja mais.
Marcelo – Mas por quê? O que tem de errado? É só por causa da diferença de idade ou tem mais algum impedimento?

Laura, chorando muito, apenas abraça Marcelo. Música If you (lento mix) – Magic Box. Marcelo e Laura continuam abraçados por algum tempo até o rapaz deixar Laura em casa.

Casa de Laura. Interior. Noite.

Ferradura está conversando com os pais de Laura. Para os adultos, o skatista se passa por um professor de Laura aparentemente preocupado com a apatia estudantil da garota, o que é uma calúnia, uma vez que Laura melhorou muito o rendimento após o início do namoro com Marcelo.

Ferradura – Os adolescentes costumam ficar mais desleixados quando costumam iniciar um relacionamento.
Amauri – Até onde é de nosso conhecimento, Laura não está namorando.
Zélia – Tenho de concordar com meu esposo, caro professor Carlos, mas Laura não pensa muito em garotos, só está mesmo transtornada pela perda da irmã...
Amauri – Mas está aos poucos superando...
Ferradura – Mesmo assim, deveriam ler os diários da garota, se informar mais a respeito das companhias dela...
Zélia – Laura anda com umas amizades que eu particularmente não gosto muito, mas como mãe, só quero o melhor pra ela.
Ferradura (destilando o veneno) – Deveria separá-la dessas pessoas.
Amauri – Eu discordo, professor. Julgo que estar entre amigos foi o diferencial pra Laura. Nos primeiros meses após a perda de Elisa, era difícil fazer Laura acordar pra ir à aula, então vê-la passeando, sorrindo, isso pra mim não tem preço que pague.
Ferradura – Mas talvez o preço que vocês paguem mais tarde seja muito caro.
Amauri – Laura pode ter quase 15 anos apenas, mas eu confio nela.
Ferradura (consentindo) – Sim, eu sei que Laura é uma menina incrível, mas veja bem... – cruza as pernas para prosseguir o discurso – Ela é uma menina ainda, é muito vulnerável e carente como está, acredita que o namorado a ama, então para agradá-lo é muito capaz de aceitar as drogas...
Zélia – Isso seria um desgosto muito grande pra mim.
Ferradura – Então cogite essa possibilidade, dona Zélia. Longe de ser sensacionalista ou causar qualquer tipo de mal estar, a senhora sabe, como professor, pedagogo e profundo entendedor da juventude, digo que é nessa fase de autoafirmação que a menina Laura pode cair no submundo das drogas e se afundar pra sempre... Ela pode ser inocente, mas o mundo não é, muito menos o tal namorado dela.
Amauri – Laura está mesmo namorando?

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