1º Capítulo
Música Ordinary world (acoustic) - Duran Duran.
Guaratuba, 30 de novembro de 1991.
Mormaço. Nem verão, nem inverno. Apenas mais um sábado comum. Assim deveria ser, caso não me chamasse Laly, caso pudesse ser outra que não eu, caso essa história pudesse ser contada de outra forma, suprimindo os pormenores e frisando tão somente o essencial. Não, não. Sou Laly, agora já sabe. Eu poderia lhes narrar um conto de fadas, mas estaria traindo minha própria essência.
Laly caminha pelo calçadão da bela praia de Guaratuba. Hoje será sua formatura.
Show de talentos, formatura, discurso.
Clichê de um primeiro capítulo. Eu sou Laly. Para os mais íntimos, Lalinha.
Hoje é 30 de novembro, o dia mais importante da minha vida. Não faz sol, mas também não chove.
Eu
acordo cedo, não tradicionalmente, uma vez que meu dia vai ser longo. Eu fui a
oradora da turma, vou precisar discursar para uma plateia composta por mais de
200 pessoas. Tenso, não? Eu não sou tímida, só não gosto quando todos olham
para mim como se eu fosse, sei lá, um peixe fora d´ água, me entendem?
Mas
também hoje mereço uma salva de palmas, estou me formando no Ensino Médio.
Agora sim a vida começa. O que eu passei, rindo ou não, gostando ou não, já nem
importa. Agora é que a aventura vem e já dizia um grande autor que aventura é
apenas um nome romântico para problema. Deve ser. Eu não gosto de calmaria e
nem um pouco tranquila minha vida é. Se por alguns segundos fosse, ufa, que
maravilha, eu não diria mais nada.
Laly olha no relógio.
Música Head over heels - Tears for Fears.
Nilton e Iury são primos e combinaram de ir juntos à formatura. Iury está esperando Nilton terminar de arrumar e está impaciente porque Nilton ainda não se aprontou.
-Ô Nilton, até parece que vai se casar!
-JÁ VOOOOOOOOOOOOU. - grita Nilton, de dentro do banheiro
-Vê se anda logo porque já estamos atrasados...
Música Groove is in the heart - Dee Lite.
Grazielle está esperando Mayra terminar
de se arrumar. Naira está se olhando no espelho e não está dando a mínima a
aparência. Emília varre o salão.
-Hoje minhas
clientes que me desculpem, mas estou de folga. Não é todo dia que minha menina
se forma...
-Concordo, dona
Emília. - Grazielle está passando spray no cabelo
Emília observa Naira.
-Por favor, né,
Naira?
-O que é agora,
mãe?
-No
dia mais importante da sua vida você sai de qualquer jeito. Não pensa que hoje,
mais do que nunca, você deveria estar bonita, bem arrumada?
-Fotos são pra vida toda, gostando ou não. - reitera Grazielle, se olhando no espelho
-Por que implicam
tanto comigo? Falam que querem meu bem, mas não sabem respeitar.
Grazielle prefere olhar os esmaltes. Naira continua reclamando.
-Por que não posso
decidir nada por mim mesma, hein? Por que não confia em mim?
-Não é que eu não
confie, minha menina, me entenda... Eu só quero o melhor pra você...
-Não parece. - Naira demonstra desapontamento
Emília e Naira se sentam no sofá preto
onde as freguesas costumam esperar por atendimento.
-Nilton é um bom
menino, Nairinha.
-Nilton é apenas
amigo, mãe. Nilton e eu somos amigos.
-Então por que se irrita
tanto quando falo sobre isso?
Naira, enfurecida, se levanta.
-Porque eu já tomei minha decisão...
Mayra, pronta para sair, chega até o
salão.
-Nairinha morre de
amores pelo Niltinho.
-E você não se mete,
pirralha. Vai brincar de boneca que você ganha bem mais.
-Pra sua informação
eu nem brinco de boneca faz tempo.
-Menina
intrometida. - Naira retruca, sem argumentos
-Melhor que ser uma
chata. Só o Nilton mesmo pra te aturar, viu? Ô garota mau humorada. (para
Emília) Ô mãe, Deus não tinha irmã melhor pra me dar, não? - Mayra mostra a língua para Naira
-O que eu acho é
que vocês deveriam ir. - olha as horas - Estamos atrasadas. - Emília finaliza a discussão
Grazielle dá uma última olhada no
espelho. Naira e Mayra se provocam sem Emília ver. Começa a tocar Holiday
- Mad'House. Emília fecha o salão.
Música Trouble - Coldplay.
Iury e Nilton estão sentados no terceiro degrau da quadra de
futebol.
-Não acredito que
você vai fazer isso, Nilton.
-Eu já nem sei o
que fazer.
-Em alguns momentos
você tem que deixar o medo de lado pra poder fazer algumas coisas darem certo.
-Mas é esse o
problema, Iury. Eu não sei se vai dar certo.
- A Naira não vai
esperar a vida toda.
-A Naira fica uma
fera comigo por qualquer coisa.
-Mas você gosta
muito dela, não gosta? Poxa, se vocês são amigos, ela vai entender.
Nilton solta ar pela boca.
-Eu sou muito feio?
-Não, não é. Não me
diga que vai entrar em crise por isso.
-Eu sei lá, cara.
Falo ou não?
-Isso é entre você
e sua consciência.
Volta a tocar Ordinary World (acoustic) - Duran Duran.
Os formandos dos 3º ano estão sentados nas 3 primeiras fileiras da
frente, estrategicamente.
-Laly Antunes
Moraes. - o diretor, com o microfone, chama Laly
-Vai lá, Lalinha. - Iury, orgulhoso, cutuca Laly
Laly dá um selinho em Iury e se levanta, caminha até o palco. Ao
subir as escadarias, algumas lágrimas caem e a protagonista procura enxuga-las
com um dos braços.
Flashback. Laly está jantando com os pais. O silêncio incomoda a
protagonista.
-Pai, minha
formatura é no sábado. - Laly avisa ao pai
-Já? - Edilson responde olhando para o prato de comida
-Já, pai. Eu vou
discursar. Gostaria que estivesse lá.
-Vai discursar o
que? - Eleonora debocha da enteada
-Sou a oradora da
turma... E... E fiquei de fazer o discurso final representando a todos os meus colegas...
Bom... Eu gostaria muito, mas muito mesmo que vocês dessem um jeitinho de ir lá
me ver...
-Nem pense que seu
pai vai lhe ceder verbas para comprar vestidinhos. Não peça nada.
-Eleonora tem
razão. - fala com a boca cheia - Minha obrigação eu já faço, mais que isso, nem
pensar!
-É um momento muito
importante da minha vida e eu queria que vocês estivessem lá comigo, só isso. - Laly implora o amor do pai
-Só isso diz agora
aí com voz mansinha, depois começa a pedir isso e aquilo pensando que seu pai é
rico. - Eleonora desconversa
-Eu só pedi a
presença de vocês, mais nada.
-Quando é a
droga dessa formatura? - Edílson, irritado, pergunta
-Não é droga, pai.
É minha formatura...
Laly, com os olhos cheios de lágrimas, empurra o prato.
-Com licença.
-Choro não comove,
Laly. Vai com os vestidos que tiver; se não estiver bom, não vá, o problema é
seu, não meu, muito menos do seu pai, garota. Não vê que está aborrecendo seu
pai? Você já tem 18 anos, é uma mulher e sabe da vida o que faz; na hora de
sair sem hora pra voltar não chama ninguém, aí quer passar a imagem de santa na
formatura? - Eleonora aproveita a ocasião pra humilhar Laly
-Eu só pensei que
vocês iriam gostar de serem convidados para a formatura, mas tudo bem, não falo
mais sobre isso.
Antes de se retirar da cozinha, Laly deixa dois convites em cima
da bancada.
-Essa menina só nasceu pra incomodar. - Eleonora volta a comer como se nada tivesse acontecido
Flashback. Laly
está sentada na escrivaninha olhando para um bloco em branco. Segura por entre as
mãos uma caneta preta. Apoia o cotovelo na bancada, olha para a janela, se
coloca a pensar, suspira alto, abandona a caneta em cima do bloco e apaga o
abajur. Logo acende.
Na escola, Laly respira fundo e leva o microfone para perto dos lábios.
-Vencemos mais uma etapa de nossas vidas. O
conhecimento nos permitiu que erguêssemos pontes em vez de muralhas...
Laly procura os pais no palco. Nenhum sinal de Edílson e Eleonora. Vai ficando cada vez mais difícil conter as lágrimas.
-Depois de tanto... tanto tempo... - respira fundo, mas as lágrimas caem - Não posso continuar...
Laly, chorando, coloca o microfone no lugar e sai correndo do anfiteatro.
--> CONTINUA NO CAP DE AMANHÃ <--
0 comentários:
Postar um comentário