35º
Capítulo – Adeus ano velho! – parte 1
Som: Dove – Moony.
Nas rádios
não se falava em outra coisa que não fosse o planeta regente de 1992: Saturno.
-Lalinha do céu, vai ser teu ano! - Dani
suspirava alegremente enquanto picava tomate na mesa da cozinha
-Não acredito nessas coisas...
-Sou canceriana, regida pela Lua e neste ano
encontrei o Everton.
-E eu sou ariana e conheci Abílio numa regência
de Marte... - Tia Conceição comentava enquanto lavava o arroz
-Não acredito nessas coisas...
O ano
astrológico só se iniciaria no dia 20 de Março, no entanto, os astrólogos de
plantão já faziam seu pé de meia adiantando as tendências do próximo ano.
Segundo eles, já era possível sentir no réveillon como seria a tão temida e
comentada regência de Saturno.
Capricorniana do
terceiro decanato, sou regida por Saturno, embora não confie 100% em horóscopo
de jornal.
-No ano de Saturno você traça suas metas,
trabalha, se organiza e tenha a certeza de que colherá os frutos do seu
sacrifício... - bradava a astróloga na rádio
-Lalinha, isso quer dizer, em outras palavras,
que você vai passar no vestibular, estudar os quatro anos aqui com titio e
titia e vai ser nossa jornalista. - Tia Conceição me abraçava
Bom se fosse mesmo verdade...
-E tarado nenhum vai te machucar...
Aí já
estavam me fazendo sonhar demais. Não mesmo, Laly. Não se iluda porque a queda
é proporcional à ilusão.
Som: Flores (acústico) – Titãs & Marisa
Monte.
Em Guaratuba, Gustavo convida Edílson e Eleonora
para cear com a família Figueira Antares e a madrasta de Laly, mesmo sendo
paupérrima, pressiona Edílson.
-Nós precisamos aparecer lá com roupas caras. Eu
me recuso a entrar na mansão do Figueira Antares vestindo esses trapos.
-Eleonora, os Figueira Antares sabem que somos
pobres.
-Éramos.
-Enquanto Laly não se casar com Gustavo
continuamos sendo.
-Espero que a danada não meta os pés pelas mãos.
-Não meterá. Gustavo e Laly se casarão no
próximo mês, queira ela ou não.
-Você sabe... Se ela fez alguma coisa com o
caixoteiro...
-Se ele tentou, terá de se acertar com Gustavo e
todos sabemos que Gus não é um homem que gosta muito de perder, principalmente
quando se diz respeito a sua mulher.
Edílson caminha em direção à porta sentindo-se
até estranho por vestir terno e gravata.
-Vamos, meu amor? – estende a mão para a esposa
-Vamos... – Eleonora, bufando, concorda
-Você sabe que eu gostaria de poder te dar o
mundo, meu amor, mas ainda não está ao meu alcance, mas saiba que meu amor você
sempre terá.
-Acontece que amor não enche barriga.
-Mas muitas vezes se tem dinheiro e não amor.
-Já ta ficando devaneador igual à Laly, falando
de amor e vivendo com a cabeça na lua...
-Só não sei por que pretende impressionar a
Gustavo.
-Ele será o marido de Laly. Nada como ser
admirada por ele.
-Acontece que quem tem de ser admirada é Laly.
-Como se ela se importasse com isso.
Som: Meu primeiro amor – Wanessa.
Enquanto Mayra, sentada em sua cama, empacota o
presente de Laly, conversa com Naira, sentada no leito ao lado.
-Está namorando Nilton?
-Quem te contou? – Naira mostra espanto
-Só fiz uma pergunta. Não precisa ser tão
grossa.
-Estou sim.
-Você e Nilton formam um casal legal. Ficam tão
bonitinhos juntos que até parecem bonequinhos. Ah, mal vejo a hora de encontrar
meu grande amor.
-Ta muito criança pra isso.
-Sai pra lá... Já tenho quase 15.
-Por isso mesmo. Deve agir como uma criança.
-Laly começou a namorar aos 15.
-E hoje está perdida na vida.
-Não, não ta. Você é que perde o melhor da vida
sendo ranzinza e chata. – se deita na cama com os olhos brilhando – Mal vejo a
hora de sentir meu coração batendo forte por um garoto muito legal e romântico,
desse tipo que te deixa boba só com um sorriso e ele vai gostar de mim do jeito
que eu sou, não vai dar a mínima para os olhos da Mili nem para as notas altas
que ela tira porque ele vai gostar só de mim e vai me chamar de princesa... –
abraça seu urso de pelúcia – E ele vai beijar meus lábios bem delicadamente, como
se estivesse provando mel, bem devagarzinho, desfrutando desse momento único
porque sim, falem o que quiser, mas o primeiro beijo tem que ser especial e por
isso tem de acontecer quando as duas pessoas se gostam muito porque assim nunca
se esquecem. Ah... – suspira como se estivesse próxima do relato que tanto
sonha – E quando ele me abraçar vai ser como se pudesse me proteger de todo
mal, que nem o Iury faz com a Laly, sabe, de sentir o coração dele pulsando
junto com o seu... – suspira – E esse vai ser o dia mais feliz da minha vida...
-Isso não existe.
-Claro que existe!
-Contos de fadas não existem, Mayra. Vê se
cresce.
-Existem sim...
-Em livros...
-Primeiro me diz que devo ser criança e depois
me diz pra crescer. Não te entendo.
-Chega um determinado momento em que os meninos
não vão se conformar só com beijo na boca, Mayra.
-E aí?
-Eles vão querer fazer aquilo. Você não entende?
-É só dizer não, oras.
-O diabo soprará em seu ouvido a obrigando a
fazer.
-Que teoria ridícula, Naira.
-Quando estiver ardendo no inferno, não dirá
isso.
-A menos que eu goste muito dele e ele de mim.
-E aí você se lança no mundo da perdição...
Mayra, tampando os ouvidos, grita.
-Ai, chega com essas histórias de perdição,
punição, reclamação... Você chega a ser chata demais com isso... Não sei como
Nilton te aguenta...
Som: Olhos certos – Detonautas.
Milene ceia com o pai e os tios na mansão Figueira
Antares, pois também foi convidada. Os adultos em volta da mesa conversam sobre
assuntos diversos.
-Milene completará 15 anos em Agosto próximo. Dá
para acreditar? – Amado bajula a filha
-Só acredito por estar vendo o quanto essa
menina cresceu e ficou linda. – Eleonora adula a sobrinha
-Fará festa? – Gustavo finge interesse no
assunto
-Não gosto de agitação. – responde Milene
enquanto fatia o peru – Desde que consiga mandar a cabelinho de fogo e a mosca
morta para o inferno já terei os 15 anos mais felizes do mundo. – pensa
enquanto mastiga e deixa escapar uma risada
-Mas esses olhos brilham muito... – brinca
Edílson – Já está apaixonada por alguém?
-Milene ainda é uma criança. – Amado interrompe
o irmão – Milene ainda é uma menina e só pensa em estudar...
-Papai tem razão. Estou muito nova para pensar
em garotos... Minha vida é estudar...
-Quem me dera Laly tivesse dito o mesmo aos 15.
– suspira Edílson – Sempre precoce.
-Laly tentou apressar o próprio destino dela que
era eu, mas tudo se encaixa no momento correto e eis que no mês que vem iremos
nos casar. No próximo Natal, se Deus quiser, estaremos todos aqui novamente
ceando juntos e quem sabe até com um herdeiro Figueira Antares a caminho, não é
mesmo? – discursa Gustavo portando um cálice de vinho do porto em uma das mãos
– E isso merece um brinde.
Todos concordam e põem-se a brindar. Milene,
falsa, mesmo já bebendo vinho e conhaque, finge-se de inocente brindando com o
refrigerante só para chamar a atenção dos adultos.
-Olha, que gracinha! Querendo brindar conosco. –
Eleonora abraça a filha
-Lalinha não sabe o que está perdendo... –
resmunga Edílson
Gustavo resolveu convidar a família de Laly para
passar o Natal com ele, pois seus pais viajaram para o exterior.
Som: Como devia estar – Capital Inicial.
E o espírito natalino tomava conta das ruas, avenidas, rádio
e televisão. Os especiais de fim de ano já estavam marcados e apesar da
incerteza na economia, as lojas estavam lotadas.
Ajudei meus parentes com as compras de Natal e me senti
aliviada quando de última hora meu pai e Eleonora resolveram não comparecer a
celebração familiar.
Resolvi fazer uma surpresinha para May e Mili. Todo ano, na
minha limitação, nunca as deixei sem presentes. Não porque ganharia em troca,
mas porque as amava e nós passávamos muito tempo juntas. Elas sabiam quase tudo
sobre mim.
Já que Mili estava namorando, resolvi comprar um bloco bem
lindo de papéis de carta para que pudesse trocar muitas correspondências com o
namorado. Para May daria um lindo conjunto de pingente, corrente e um par de
brincos do jeitinho que ela gostava.
O Natal celebrado entre nós e os vizinhos foi lindo, farto e
emocionante.
Tio Abílio foi escolhido o patriarca e coordenou as orações,
presidiu os preparativos dos presépios em tamanho natural e se encarregou de
entregar os donativos aos mais necessitados. Não para sentir-se superior porque
nunca foi da natureza de Tio Abílio apoiar-se em vantagens para menosprezar o
próximo e por isso mesmo Deus era tão bondoso com ele.
Nós mulheres cuidamos da ceia e caprichamos nos pratos. Não
sobrou nada para o almoço do dia 25.
Assistimos à missa do Galo, ceamos em seguida e após horas
de dance music europeia graças a Dorminhoco e Fuinha, dormimos até meio-dia,
afinal, era Natal.
No fim das contas todos voltamos a ser crianças brincando na
rua sem saída e por breves momentos, talvez, me esqueci do abuso que sofri, de
todo medo que Gustavo impunha para mostrar sua soberania.
De repente eu era aquela menina alegre ralando joelho
jogando bets com Dani, Dorminhoco e Fuinha, tomando banho de mangueira com
eles, subindo em árvore, satisfeita ao conseguir roubar um punhado de
jabuticabas do vizinho ranzinza que bem lá no fundo era gente boa. Tudo havia
se tornado simples e mágico novamente.
Lá no litoral seria como sempre: papai, Eleonora, Mili e Tio
Amado confraternizando unidos. May, Naira, D. Emília e parentes. Nada de novo.
-Também comprei um
presente pra você... - avisou May
-Espero que goste do
meu, pinguinho. Dediquei a você com carinho.
-É uma pena que você vem
depois do ano novo. Esse ano a Fer e eu já estamos organizando uma festa bem
maneira de Ano Novo.
As coisas realmente estavam mudando.
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