-PAI? – Mário empalidece
-NÃO ME CHAME DE PAI.
-EU POSSO EXPLICAR. – Mário, vestindo-se, tenta
conversar com o pai
-MAS EU NÃO QUERO OUVIR. – desapontado – VOCÊ É
UMA ABERRAÇÃO, UM MONSTRO. EU TE RENEGO! EU TE RENEGO!
-Pai, eu não sou isso.
Lima esbofeteia Mário no rosto enquanto o
parceiro do rapaz escapa pela janela.
-Me ouve, pai. – Mário se ajoelha aos pés do pai
– Por Cristo.
-Cristo jamais ouvirá as preces de uma aberração
que nem você. Cristo te renega.
-Cristo é o amor.
-Não fale de Cristo, seu imundo. Você não faz
mais parte dessa família.
-Não faz isso comigo, pai. Eu não mereço...
-Se espera que eu aceite 'isso', está perdendo
seu tempo. Deus renega essa prática. Aos olhos do Pai você é um ímpio, um forte
candidato a arder no inferno...
-Eu
sou diferente, pai.
-Não me venha com isso, Mário. - ergue a voz -
Não me venha com essa história porque eu não acredito nisso. Você é fraco,
padece as tentações da carne, não leva a sério os ensinamentos, não honra nem o
próprio pai e não tem o direito de querer contestar os escritos de Deus porque
as regras nunca irão mudar.
-Então por que Deus me fez assim se isso foge de
seus desígnios? Deve haver alguma explicação para isso.
-Você quer é brecha pra pecar, seu imundo, mas
essa família você não desonra mais.
Revoltado, o pastor expulsa Mário de casa e ele
vai pedir abrigo à Fernanda, que acaba chorando muito com a revelação.
-Poxa Mário, por que seu pai fez isso?
-Eu...
Eu não sei...
-Se for o caso eu me converto, amor. Eu largo
mão de querer ser miss, paro de falar palavrão, levo os estudos mais a sério, frequento
todos os cultos da congregação, mas não quero que por minha causa você seja
expulso de casa. Você não merece isso.
-Não foi por tua casa, Fer.
-Não alivia minha culpa.
-To sendo sincero.
-Então por que seu pai te expulsaria de casa
assim do nada?
-Você não conhece meu pai.
Fernanda percebe que há algo de errado com o
namorado e o faz desabafar, ainda mais que a intimidade entre eles cresceu
muito ao longo dos dois meses de convivência praticamente diária.
-Fer, eu queria dizer que foi muito legal
namorar você, mas...
-Mas... Você tem outra, certo?
-Não. Eu sou gay.
-Gay?
Som: Never knew love
like this before – Stephanie Mills.
Emília e Mayra chegam ao quarto de Naira para o
jantar quando encontram o lado da namorada de Nilton vazio e o bilhete.
-Não acredito! – Emília está boquiaberta
Mayra, com os olhos cheios de lágrimas, abre o
bilhete e o lê em voz alta.
-“Fiz o que era melhor para mim. Espero
que me perdoem e compreendam. Deus esteja com vocês hoje e sempre. Com carinho,
Naira.”
Mayra abraça a mãe e não demora muito para a
campainha tilintar.
-Só pode ser Nilton. E agora? O que diremos?
-Só nos resta dizer a verdade.
-Nilton não vai reagir bem. Sabe o quanto ele a
ama, mãe. Ele vai ficar muito mal.
-Mas não vamos poder esconder isso dele a vida
inteira...
Como prometeu anteriormente, Nilton vai à casa
de Naira para saber a resposta da jovem, mas encontra Emília e Mayra chorando
muito. Naira realmente internou-se no convento.
-Ela não fez isso de verdade, né?
-Ela já foi, Nilton. Ela foi e ninguém conseguiu
impedi-la. - chora Mayra
Nilton se senta no sofá e começa a chorar.
Emília e Mayra vão ampará-lo.
-Por que ela fez isso? – Nilton está
inconformado
-Nos fazemos a mesma pergunta. – Emília conforta
o ex-genro
-Eu jamais faria qualquer mal a ela, D. Emília.
Por que ela foi embora?
-Não se culpe por isso, Nilton.
-Então como vocês querem que eu me sinta? Naira
prometeu de me dar a resposta e sumiu...
-Essa foi à resposta de Naira. – Mayra,
encabulada, confessa
Nilton chora mais ainda.
-Se houvesse algo que eu pudesse dizer e te
consolasse, mas eu acabaria sendo hipócrita, meu querido. – Emília abraça
Nilton como faria a um filho – Eu admito de todo coração que queria muito ver
você e Naira juntos, pois sempre soube que você era um bom partido para ela,
mas infelizmente não posso dominar as vontades de Naira, no entanto espero que
futuramente você encontre uma mulher que venha a fazê-lo muito feliz.
Som: Time after time –
Cindy Lauper
-Você é mesmo gay?
-Isso mesmo... –Mário confirma
-Tem certeza? – Fernanda indaga
-Eu nasci assim, Fer.
-Ninguém nasce assim.
-Eu nasci assim e sempre me senti uma aberração
diante das outras pessoas por não poder ser exatamente igual a elas. Imagine só
ser o filho mais velho do pastor, com todo mundo vigiando e comentando sua
conduta o tempo todo como se você fosse uma novela ou filme, sei lá... Todo
mundo sempre cobrou de mim juízo, perfeição, castidade e diante dos outros eu
realmente encarno esse Mário que nunca fui não sou e jamais serei. Eu sempre
percebi que era diferente dos outros meninos, que nunca seria como eles. Eu
gostava deles de outro jeito, coisa que meu pai e sua religião jamais
aceitariam, pois, segundo eles, foge completamente dos desígnios de Deus, então
nunca me senti digno de dobrar meus joelhos, embora tenha feito muito isso e
sei que pecava o dobro por perjurar diante daquele que por todos nós morreu. Ao
mesmo tempo é estranho, pois acredito na palavra de Deus. Posso ser gay, mas
tenho respeito pelas mulheres, as acho belas, maravilhosas, detesto machistas,
mas o que você sente por mim eu sinto por outro homem. Imagine aos 12 anos,
quando todos os seus amiguinhos estão apaixonadinhos pela menina mais bonita da
sala, você está gostando do seu melhor amigo, por exemplo? Entre homem e mulher
as chances de dar certo são bem maiores, mas já pensou ser garoto e contar
essas coisas pra ele? Humpf... Ele JAMAIS entenderia, a menos que também
sentisse o mesmo e ainda assim seria complicado porque de verdade às vezes eu
também não me aceito.
-Tem certeza? Não sentiu nada fazendo amor
comigo? Tem certeza de que isso não pode mudar? De repente você teve uma
desilusão muito forte com uma garota e acha que todas são vadias, mas não é
verdade...
Mário beija a testa de Fernanda.
-Não vou mudar.
Mário chora.
-Eu nasci assim, meu bem. Vou ser assim até
morrer. Meu pai acha que a religião pode mudar, mas orei a vida inteira pra não
me sentir assim e me sinto... Enquanto todas as meninas da congregação sonhavam
em se casar comigo, eu estava apaixonado pelo namorado da minha irmã. Tem ideia
do quanto isso é complicado? Do quanto tenho medo de ser quem sou?
Fernanda se recorda de que um dia flagrou Mário
compenetrado em seus esmaltes e sentia um interesse muito grande em assuntos
tradicionalmente femininos. Por estar muito apaixonada, pensava que havia encontrado
o príncipe encantado.
-Eu sei que depois de hoje toda admiração que
você tinha por mim morreu, que você nunca mais vai querer me ver nem falar de
mim, mas eu preciso ser sincero, não posso mais continuar escondendo isso de
todo mundo. Eu sei que isso vai doer mais em você do que em mim, mas acredite,
seria muito pior se eu continuasse te enganando.
Fernanda nem sequer consegue reagir. Seu mundo
desmoronou.
-Eu nunca vou poder te fazer feliz como você
merece.
-É uma pena...
Fernanda começa a chorar muito e Mário tenta
acalmá-la como pode.
-Mas você vai encontrar alguém que vai te amar
muito mais do que eu iria.
-Eu acho que não.
-Vai sim, Fernanda! Você é uma menina linda, tem
um sorriso apaixonante, será uma miss muito famosa e vai ter muitos homens
atrás de você...
Som: Never knew love
like this before – Stephanie Mills.
Nilton está chorando tanto que prefere não
voltar para casa a fim de pensar na vida. Sentado em um banco de madeira na
Avenida Beira-Mar, vê alguns casais apaixonados caminhando de mãos dadas e não
deixa de lamentar por não ter conseguido fazer Naira se sentir segura para não
internar-se no convento.
-Eu sabia que era bom demais para ser verdade...
Nilton se lembra dos beijos que deu em Naira e
chora mais ainda.
-Acho que Naira vai ser a única mulher da minha
vida.
Som: Time after time –
Cindy Lauper.
Desesperada, Fernanda decide atentar contra a
própria vida usando uma faca e espera todos irem dormir para consumar o ato,
mas Gilberto, que está com insônia, se levanta para tomar leite quente e
encontra a filha chorando de costas para o fogão, pois não tem coragem para
fazer o que pretendia.
-Algum problema, filha? Por que está com essa
faca aí?
Fernanda reconhece a voz do pai.
0 comentários:
Postar um comentário