60º
Capítulo – Aimée morre no parto! (BOMBA!)
Som: Ordinary World –
Duran Duran.
Tio Abílio
e Tia Conceição também estavam contaminados pela indiferença. Tentavam
disfarçar que eu ainda era a afilhada do coração, mas todas as noites eu
escutava as conversas.
-Bem que ela podia se mexer e arrumar um
emprego... - Tio Abílio dava suas indiretas
-Ela podia largar a faculdade e trabalhar.
-Depois do que ela fez, de nada mais duvido
nesse mundo.
Por muito
pouco, antes do primeiro dia de aula, não cancelei a matrícula, mas herdei a
teimosia de Ingrid e sabia que teria de calar a boca de muita gente,
principalmente da minha própria família.
No
primeiro dia de aula nada de amor a primeira vista, nada de novos amigos, nada
de facilidade. Os professores sequer sorriam. Meus colegas muito menos.
-Vocês ralaram para entrar, certo? Pensaram que
a pior parte já passou? Bobagem! Agora é que o tranco começa, caros calouros.
Os próximos 4 anos serão decisivos nas vidas de todos vocês, então preparem-se
para noites em claro, punhos cansados, vistas fatigadas, gastrites, calvície...
Já estava
acostumada a ‘funcionar’ 24 horas. A vida já me preparou para a correria
estudando pela manhã, trabalhando a tarde toda e virando a madrugada em cima de
livros. Talvez fosse surpresa para as patricinhas que passavam a tarde tomando
sol à beira da piscina. Para mim era até menos assustador.
-E
quem não gosta muito de ler escolheu o curso errado.
Logo de
cara teríamos de ler Platão. Os festeiros quase caíram de costas com os termos,
ainda mais quem não compreende nada pelas entrelinhas, quem sempre teve tudo
mastigadinho e preguiça de pensar por conta própria.
Participei
do trote na tentativa de me enturmar e não me senti a vontade no meio daquele
povo bebendo e falando besteiras. Senti uma saudade tão grande do colégio, dos
papos com Nilton, até mesmo da beatice de Naira. Sentia falta até das irmãs
pegando no pé da galera. Para eles eu não poderia estar melhor.
A prisão
do Gustavo foi minha carta de alforria, o sinal de que Deus ainda olhava por
mim, mas às vezes, como todo ser humano, me sentia COMPLETAMENTE abandonada. Se
até meus padrinhos que me trataram com amor a vida toda estavam me execrando,
quanto mais o resto do mundo.
Som: Fields of gold –
Sting.
Estela rejeita Aimée
que mesmo tentando fazer de tudo para ser amada por Iury e sua família, em
troca sofre a rejeição. A Fernanda, Aimée garante que está vivendo um conto de
fadas, mesmo que só Deus seja testemunha das noites em que adormece chorando,
pois Iury prefere dormir no quarto destinado aos empregados a estar com a
esposa.
Nilton está estudando muito e dorme em uma
pensão para estudantes. Desde a festa de Mayra eles estão apaixonados e namoram
através de cartas.
-Nunca pensei que você iria namorar o Nilton.
-Nem eu, mãe.
-Naira perdeu a maior chance da vida dela.
Meninos como Nilton estão ficando a cada dia mais raros.
Mayra e Fernanda continuam melhores amigas e
Fer, quase sempre, está indo para Florianópolis acompanhar de perto a gestação
de Aimée, que está esperando uma menina.
-Ela se chamará Lílian assim como a mamãe.
-E será linda como a mamãe. – Fernanda
acrescenta
-Só espero que não nos deixe tão cedo.
Iury estuda em tempo integral, ainda mais
incentivado pela filhinha que virá ao mundo em Setembro.
Gabriel e Grazielle continuam apaixonados e
estudam junto com Fernanda e Mayra. Eles ainda são voluntários na Sociedade
Protetora dos Animais e pretendem ser biólogos para continuar salvando a vida
dos animais.
Constantina e Dorminhoco se casam em uma
cerimônia evangélica. O irmão de Fuinha se converteu à congregação da amada e
tornou-se braço direito do Pastor Lima.
Natália terminou com o namorado, mas já
encontrou um rapaz da igreja com quem também tem uma ‘relação profunda’. Diante
do pai o pretendente da filha até fala em línguas e se diz o maior santo, tal
como o ex da jovem.
Mário assumiu-se homossexual em definitivo e
está amigado com o namorado. Eles estão fazendo um curso de manicure promovido
por D. Emília e são ótimos alunos. Mário parou de enganar a si mesmo e sente-se
mais feliz por isso. Ele e Fernanda acabaram tornando-se amigos.
-E quando você for uma famosa Miss, eu quero ser
seu maquiador.
-Mayra vai ficar com ciúmes e além do mais eu
nem sei se quero ser Miss. Esse mundo de moda e beleza é tão cruel. Não sei se
quero isso pra mim.
-Que bobagem, Fernanda. Você é tão linda, tão
sensual e tem mais é que se mostrar mesmo, mostrar ao mundo toda essa beleza
que Deus te deu.
O pai de Mário rejeita o filho e não aceita a
homossexualidade. Não há argumentos que façam o pastor mudar de ideia e perdoar
Mário, embora Lima chore quando veja fotos do ex-namorado de Fernanda e
continue incluindo o nome dele em suas orações.
-Eu acho que o senhor deveria perdoá-lo, pai. –
Constantina comenta
-Mário soube escolher seu caminho e foi longe de
Deus, então, sendo assim, ele não é mais meu filho.
Constantina sofre por ver a família desmembrada
e se decepciona porque o pai prega tantos valores e muitos deles nem sequer
coloca em prática. Tininha se sente estranha porque crê em Deus sem duvidar,
mas discorda de sua doutrina em muitos aspectos.
Mayra mal acredita que está namorando. Lê as
cartas de Nilton todas as noites antes de dormir e aguarda ansiosamente as
vindas do rapaz.
Mayra, que já era vaidosa, está mais ainda e
como desabrochou, aproveita para valorizar mais ainda o que gosta em si mesma,
ainda mais que o amor de Nilton a deixou muito mais confiante e sorridente.
-Por mim eu faço esse amor durar pra sempre...
Som: Dove – Moony.
Não queria
esmola!
Já estava
com 19 anos, tinha vasta experiência com salão de beleza e apesar de não ser um
gênio, tinha boa retórica e pique pra aguentar o que viesse. Por que dividir
teto com pessoas que não suportavam minha presença?
No centro
da cidade havia muitas pensões para jovens estudantes como eu. O mercado de
trabalho me adorava. Era só questão de me encorajar.
Numa noite
arrumei minhas mochilas e sem fazer ruídos fui embora. Para onde? Nem eu mesma
fazia ideia.
Logo após
a aula bati perna em agência do trabalhador e visitei vários salões de beleza.
No entanto, a resposta era sempre a mesma.
-No momento não estamos precisando de ninguém.
Deixe seu número para que possamos entrar em contato.
Eu não
tinha tempo a perder. Não tinha para onde ir, muito menos para onde voltar. Eu
não tinha a mais ninguém além de mim.
O único
lugar em que havia vaga para trabalhar era numa espelunca fedida no centro da
cidade. O dono tinha pressa em encontrar um interessado e sem me cercar de
perguntas, me contratou de imediato. O salário era baixíssimo, mas dava para
garantir um lugarzinho no pensionato mais simples. Eu só iria dormir e não
exigia luxo nenhum.
Meu sonho
tinha um preço e eu jurei que pagaria cada centavo por ele. Faria todos
engolirem suas perversas profecias e viria a ser alguém muito importante.
Sem
varinha de condão e pó mágico, eu era minha própria fada e o sonho seria
construído lentamente. O mais importante era saber que eu o realizaria. Isso me
confortava.
Meu
expediente começava às 13h00min e ia até às 21h00min. Lavaria pratos e na
ausência de alguma das garçonetes, atenderia o público também. Trabalharia nos
fins de semana fazendo hora extra para poder me manter na universidade.
Entrar era
`fácil`. Sair seria muito mais difícil e havia 3 jeitos de sair: formada, morta
ou como desistente. A terceira opção era inadmissível em meu mundo, portanto,
teria de rebolar para que a primeira alternativa vigorasse.
Resolvido
o problema do emprego, era hora de procurar a pensão. A mais simples ficava
localizada perto do campus e a dona preferia hospedar mulheres. O preço era
salgado levando em conta as péssimas instalações, todavia, no momento em que
estava nem podia exigir grande coisa.
D. Cotia
era a proprietária do prédio e nós negociamos diretamente. Meu quarto tinha uma
privada, a pia, um guarda-roupa meia boca, uma cama de solteiro e proporcionava
uma vista bonita da cidade. O chuveiro ficava no corredor e às 06 da manhã
tinha uma fila enorme de gente querendo tomar banho.
O colchão
era duro pra caramba. Acordei com as costas doloridas e ainda tinha um dia
longo pela frente. Não um. Muitos. Um semestre inteiro. Quatro anos assim. Será
que esse sonho valia mesmo a pena?
As
matérias do primeiro semestre eram um porre. Introduções, confusões, decepções.
Um verdadeiro jogo de sobrevivência. Muitos caíram fora antes mesmo da partida
começar. Eu estava resistindo mesmo com o desejo supremo de a qualquer momento
levantar a bandeirinha branca de rendição.
Os
veteranos apavoravam com suas enganosas descrições acerca dos mestres. Alguns
exageravam nos superlativos porque queriam boas indicações para estágios. Os
calouros já se sentiam os jornalistas. Era uma genuína guerra de egos. Foi ali
que ficou muito claro pra mim o contraste social.
Eu era a
mais pobre da classe, repetia roupa, tênis e estava passando fome para poder
acompanhar a turma quanto a que se diz respeito às disciplinas, aos livros
didáticos exigidos, enquanto havia garotas que iam à aula de carro, usavam
bolsas caríssimas e viajariam para o exterior no fim do ano.
À medida
que a inflação aumentava, meus temores também. Meu salário continuava uma
merreca e o preço da pensão dobrava.
D. Cotia
não ia muito com a minha cara e não estava gostando nada de saber que eu estava
atrasando a mensalidade.
-Quando é que você vai pagar?
-Eu não tenho todo o dinheiro agora.
-Se não pagar em uma semana, te mando pra rua,
minha filha. Tempo aqui é dinheiro.
-Uma semana é pouco tempo. Eu prometo que
consigo esse dinheiro e te pago com juro...
-Ou paga ou cai fora. Comigo não tem enrolação,
minha filha.
Trabalhava
feito um cão no restaurante e não recebia um centavo pelas horas extras. Havia
muito tempo que eu não sabia o que era ter uma agradável noite de sono. Aos
trancos e barrancos consegui concluir o primeiro semestre.
Todos os
dias eram iguais. Acordar muito cedo pra não pegar muita fila na hora do banho,
tomar café com pão - a única refeição que D. Cotia oferecia - e ir à aula. 13h00min
um almoço xoxo e uma extenuante jornada de trabalho. 21h00min chegar ao pensionato,
estudar até meia-noite e não deixar nenhum pensamento nostálgico me dominar.
Era triste
não ter com quem conversar. Mayra fazia tanta falta. Como andaria minha
florzinha? Será que ela ainda se lembrava de mim? Será que me perdoaria por não
ter comparecido a sua festa de debutante?
Som: Trouble – Coldplay.
Gilberto ainda não aceita a neta que está para
nascer e não mantém nenhum tipo de contato com Aimée, tanto que não suporta que
Fernanda trabalhe no salão de D. Emília para custear as viagens de ônibus até
Florianópolis. Ele só acaba indo visitar a filha mais velha quando os pais de
Iury solicitam.
-Aimée quer que você esteja ao lado dela nesse
importante momento da vida dela. – Estela recomenda
-Se ela tivesse seguido meus conselhos estaria
numa faculdade e não numa sala de maternidade.
-Paiê... - repreende Fernanda
-Falei alguma mentira?
-Não fica nem um pouco feliz com o nascimento da
Lílian?
-NÃO. E ai de você se seguir os passos da sua
irmã...
-Nem pretendo me casar mesmo. – Fernanda sacode
os ombros
Desde que terminou o namoro com Mário, Fernanda
até se arrisca em ficadas esporádicas, mas não consegue se apaixonar.
-E é bom mesmo que não me dê desgosto.
Ainda assim Gilberto não sabe disfarçar a
apreensão que invade cada centímetro de seu corpo. Aimée, indo para a sala de
parto, passa pelo corredor já na maca e ao ver o pai, acena sorrindo para ele,
dando a entender que tudo ficará bem. Gilberto não demonstra nenhuma expressão
facial, mas tem o mau pressentimento de que será a última vez que verá Aimée.
O trabalho de parto de Aimée acaba sendo muito
mais perigoso e complicado do que previa a medicina. A ruiva teve pré-eclâmpsia
e tanto ela quanto o bebê correm risco de vida.
-Peço que salvem Lílian. Quanto a mim, não me
importo... Salvem Lílian...
Os batimentos cardíacos de Aimée estão bastante
irregulares e a jovem, urrando de dor, se esforça até seu limite para que
Lílian venha ao mundo.
4 horas depois, um bebê banhado de sangue e
gritando muito, afinal, não está acostumado com a claridade e o frio daquele
recinto cheio de lâmpadas e médicos com o avental verde, avisa que chegou ao
mundo, coincidindo infelizmente com o último suspiro da pessoa que mais
aguardou esse momento.
Está frio
aqui. Eu quero voltar para onde estava. Quem são vocês? Onde eu estou, afinal?
Os auxiliares do obstetra expressando pesar
lamentam a perda de Aimée, mas o médico, por sua vez, felicita Lílian pelo seu
nascimento e apesar de todo sofrimento e risco enfrentados, a pequena guerreira
de 45 cm, 2kg e 800g nasce perfeitamente saudável.
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