àA GRANDE VIRADA DE LALINHA CHEGOU... ß
Entrei no rústico escritório de Cláudio. Que decepção!
Encontrei um gordo, barbudo e incontestavelmente dependente do cigarro. Cláudio mais parecia um cowboy do velho oeste que o empresário clean que imaginava. Só faltava apontar o três-oitão na minha direção e perguntar:
-Que quer aqui, garota?
Mas ao invés disso, Cláudio terminou de beber café, me avaliou atentamente, deu uma tragada no seu cigarro, esmagou a bituca no cinzeiro e perguntou:
-Você deve ser a Laly, não?
-Sim. Sou eu sim.
-E veio por causa do anúncio, certo?
-Vim, sim senhor.
-Laly é um nome muito fraco. Encontre outro.
Que diabos era isso? Um bordel?
-Você é exatamente o que estou procurando.
Eu não esperava ouvir isso.
-Você é exatamente o que estou procurando.
Ser elogiada pelo empresário já era o primeiro passo de uma promissora carreira na teledramaturgia.
-E quando farei os testes?
Apontando para um sofá marrom de couro, Cláudio esmagava a bituca de cigarro no cinzeiro.
-Por que não se deita ali naquele sofá?
Abriu uma gaveta, tirou de dentro um script, levantou-se e o cheiro de suor misturado às partes íntimas mal lavadas reacendeu o ar. Nauseabundo.
O recinto cheirava a sexo e me incitava à vontade de vomitar, ainda mais que estava com o estômago vazio.
-Ainda dá tempo de ir embora, Laly. Não to gostando muito da cara desse cara. Ele fede, Laly. ELE FEDE. VOCÊ NÃO VAI BEIJAR UM CARA DESSES, VAI?
Pela minha carreira eu iria até mais longe.
-Não posso julgar o livro só pela capa. É minha vida que está em jogo.
Quando li um pedacinho do roteiro, quase chorei! Eu teria de transar com ele ali naquele sofá apertado e morrinhento. E levando chicotada no lombo, fingindo que o autoflagelo me deixava excitada.
Quem se sujeitaria a tamanha imundície?
Transar com aquela coisa era o mesmo que me atirar em uma lata de
lixo. Com todo respeito. A Laly romântica preferia morrer de inanição a encarar
aquela cena deprimente escrita com erros gramaticais grotescos.
Estava arriscando meu emprego no restaurante para fingir que
estava atraída por uma bola de banha? Deveria desconfiar por não ter nenhuma
concorrente.
E eu me sentindo inferior por estar usando à mesma saia de pregas
pretas que saía nas baladinhas em Guaratuba e Iury babava, diga-se de passagem.
Eu tinha complexo por não ser muito alta, mas do modo com Iury me descrevia eu
me sentia uma princesa. Usava sandálias de salto alto para aparentar um pouco
mais de estatura. Me ajudaria a ganhar um ótimo papel.
Regata branca, cabelo escovado e bem mais longo do que de costume
(não tinha mais D. Emília para fazer as cortesias da casa), unhas devidamente
cortadas e sem bifinhos (nada de May para pintá-las de preto, tirar os bifinhos
e passar renda nos dedinhos do pé) e o restinho de maquiagem que ainda tinha
davam ao meu rosto alguma jovialidade, principalmente escondendo com louvor as
olheiras de cansaço e desilusão.
-Não tem muito segredo, viu,
gata?
E o book? E o contrato?
-Formosa, sensual, mesclado
com certo ar de inocência devassa e excitante. Você é perfeita para o papel de
meu mais novo filme.
Filme?
Eu nasci mesmo com o traseiro virado para a lua. Mal cheguei ao
escritório do gordo escroto e já seria a protagonista de um longa-metragem.
-Por que não tira essa roupa
e fica mais a vontade?
Tirar a roupa?
Ai ai, não sei se estava gostando muito disso. Eu mal conhecia
esse homem, não tinha nenhuma intimidade pra ficar só de lingerie a sua frente.
-Pra que esconder esse
corpinho tão sensual, Lalinha? Posso te chamar de Lalinha?
Meu nome não era osso pra estar na boca de qualquer cachorro.
-Tudo bem se não quiser tirar
a roupa agora.
O gordão apalpava minhas coxas na tentativa de me excitar. Ele,
por sua vez, estava quase enfartando de desejo.
Cláudio fedia fumaça de cigarro, tinha bafo de peixe podre
misturado com tabaco e nem sequer sabia beijar. Quando, já nu, montou em mim,
pensei que aquela bola de banha acabaria por me esmagar.
Das costas tirou um chicote, o beijou e esfregou aquela coisa por
entre meus braços. Quase vomitei nele.
-Relaxa, gata.
Relaxar? Vá a merda, filho da puta.
-Você ta muito retraída,
Lalinha. Eu não sou nenhum tarado.
Por alguns instantes pensei em gritar com toda força das minhas
cordas vocais e chorar todas as lágrimas que estava sufocando para não desistir
de tudo.
Em vez de Cláudio, vi Gustavo.
Gritos, cintadas, lábios amordaçados, braços amarrados à cabeceira
da cama, pai conivente, genro exemplar. Por maioria de votos marginal. Meretriz
virginal. Milhões de fantasias amorosas desfeitas pela selvageria do maldito
machista que ignorava minha vontade superior.
Quem ele pensava que era para me tratar daquela forma tão
pejorativa e humilhante? Pensava o que? Que enganaria a Deus a vida toda?
Era hora de dar o troco. A voz da justiça não poderia continuar
sendo oprimida. Eu não continuaria mais sendo aquela mocinha indefesa que
consentia com minha própria anulação como mulher.
Usei minha única defesa e o expulsei de cima de mim com chutes e
tentei sair da cama na força, tanto que destruí a cabeceira. Desfiz os nós. Ele
não deixaria barato. Sei que não. E então de mim apossou-se o ódio.
Algemei Gustavo ao pé da cama, tirei o paletó de grife italiana,
rasguei sua estimada camisa de seda e o surrei até que sangrasse.
-Você me paga, sua vagabunda.
-Cale a boca, desgraçado.
Quem manda aqui sou eu. – berrei
Quando dei por mim, já de saia novamente, estava chicoteando
Cláudio, de joelhos e ele gemia satisfeito, além de suas capacidades.
-Mais, Laly. Mais rápido.
Aquilo não estava no script. Além de péssima atriz era uma
troglodita. Estava enchendo meu empresário de porrada. Que bela recomendação
ele me daria!
-Maaaaaaaaaaaaaaaaaais...
Coloquei o chicote por entre os lábios e o gordão gozou.
-Meus parabéns, Lalinha. Que
atuação.
Como assim? Será que estou entendendo tudo?
-Fazia tempo que eu não via
alguém atuar com tanto entusiasmo.
Ele só podia estar louco! Outro, em seu lugar, me faria sair
algemada daquele pombal.
-Você era exatamente o que eu
estava procurando.
No fim do dia, o gordão custeou meu book e eu assinei contrato com
a maior produtora de filmes pornográficos do Brasil. Meu nome, a partir daquele
momento, não era mais Laly.
-Prazer, sou Judy Pankekinha.
0 comentários:
Postar um comentário