CENA 1 - BOTAFOGO – MIRANTE DONA MARTA – EXT. - FIM DE TARDE.
O SOL ESTAVA SE ESCONDENDO POR TRÁS DO CRISTO REDENTOR E LÁ EMBAIXO, NA ENSEADA DE BOTAFOGO, SURGIAM AS PRIMEIRAS SOMBRAS. MARCOS E MALU
ESTAVAM NO MIRANTE DONA MARTA, DE ONDE SE DESCORTINAVA QUASE A CIDADE TODA... LEBLON, IPANEMA, A LAGOA. A CONVERSA, COMO SEMPRE, GIRAVA EM TÔRNO DE DIANA.
MARCOS - Perdoe-me, Malu, mas o seu procedimento para comigo até hoje... Ás vezes acho que compreendeu tudo o que aconteceu, mas outras vezes, penso que me odeia. Você me acha realmente culpado?
MALU - Eu tenho que te confessar uma coisa, Marcos.
MARCOS - Fale.
MALU - (olhando-o firme nos olhos) Não sei se a gente pode amar uma pessoa que deseja destruir. Essa palavra amor soa meio cafona hoje em dia. Mas eu amo você desse modo.
A SÚBITA DECLARAÇÃO DEIXOU MARCOS MUITO PERTURBADO.
MARCOS - Eu acho melhor nós irmos embora.
MALU - Pois se você for embora, eu me atiro daqui!
MALU CAMINHOU PARA A BEIRA DO PRECIPÍCIO.
MARCOS - Não é honesto o que você está fazendo. Saia daí... você pode escorregar. Vamos... por favor!
MALU - Só se você me prometer uma coisa...
MARCOS - O que?
MALU - Um beijo. Ou você promete... ou eu pulo daqui!
OS DOIS SE OLHARAM. MARCOS DEU UM PASSO NA SUA DIREÇÃO E PUXOU-A VIOLENTAMENTE PARA SI. MALU SE ABRAÇOU COM ELE, E NUM GESTO IMPULSIVO, BEIJOU-O ARDENTEMENTE. MARCOS CONSEGUIU AFASTÁ-LA. ESTAVA TRANSTORNADO.
MALU - Oh, enfim!... Agora acredito que você seja humano!
MARCOS - (desolado) Você não devia... não devia ter feito isso!
MALU - Você nunca beijou Diana?
MARCOS - Não... nunca! Ela sempre compreendeu que eu não podia... até anular os votos. E você me fez pecar!
MARCOS OLHOU-A COM HORROR. NUM IMPULSO, VOLTOUSE E CORREU PARA O CARRO.
CORTA PARA:
CENA 2 - APARTAMENTO DE MARCELÃO - SALA - INT. -DIA.
MARCELÃO ACABARA DE VOLTAR DA PRAIA, AINDA DE SUNGA VERMELHA E ÓCULOS ESCUROS, QUANDO DEPAROU COM UM CECÉU ASSUSTADO, QUE O AGUARDAVA NA SALA.
MARCELÃO - Que cara é essa, velho?
CECÉU - (levantou-se, foi até a janela e olhou para a rua, escondido atrás da cortina) Seu amigo tá numa sinuca de bico, Marcelão. Ou eu assalto um banco amanhã, ou depois de amanhã estou desmoralizado. Entro pelo cano.
MARCELÃO - (dirigiu-se ao mordomo) Voskô, prepara um uísque pra mim e pro Cecéu! (e para o amigo) Explica isso direito. Me dá detalhes. Talvez possa ajudar, quem sabe...
CECÉU - Tá. Eu tava trabalhando, lá no Banco Monteiro Prado... quando fui descoberto pelo “Pé de Anjo”, um camarada que eu conheci... bem, no tempo em que ainda não era uma das “reservas morais da nação”... naquela época participei com ele de alguns golpes... coisa pequena, sem importância, entende?
MARCELÃO - Entendi, continue...
CECÉU - Bem... ele queria dar um golpe no banco e que eu participasse... Pra escapar, inventei que ia dar um golpe sòzinho e que depois dividia com ele. Marquei o golpe pra amanhã.
MARCELÃO - E agora?
CECÉU - Agora, pergunto eu. Amanhã, sabendo que não dei golpe nenhum, ele pode me obrigar a ser cúmplice do golpe que ele e seu bando vão dar. Sabe, Marcelão, tenho vontade de morrer!
MARCELÃO PENSOU UM POUCO. SÚBITO, TEVE A IDÉIA.
MARCELÃO - Taí, velho, você podia morrer mesmo! A gente fazia o seu entêrro e depois de uns tempos você aparecia! (entusiasmou-se ainda mais com a idéia) Claro que a gente dava um jeito de você sair antes do caixão! Mas o importante é que, amanhã, você vai estar dentro de um, cercado de rosas!
CECÉU FEZ UMA CARA COMO SE A BEBIDA QUE ESTAVA TOMANDO CUSTASSE A PASSAR NA GARGANTA.
CECÉU - Poxa... não tem uma idéia melhor, não? Não curto esse negócio de caixão, cadáver, enterro, cemitério...
MARCELÃO - Essa idéia é ótima, velho! Esquece esse medo e vamos agir! É o único jeito de se livrar do Pé de Anjo. Fica tranquilo, eu vou te ajudar.
CECÉU - Não sei, não. Tou achando essa idéia muito maluca!...
CORTA PARA:
CENA 3 - APARTAMENTO DE MONTEIRO PRADO - SALA -INT. - TARDE.
MALU NÃO SAIU DE CASA NO DIA SEGUINTE. TELEFONOU DIVERSAS VEZES PARA A CASA DE GERMANO, PORÉM MARCOS NUNCA ESTAVA. JÁ ERA BASTANTE TARDE QUANDO, FINALMENTE, CONSEGUIU O QUE DESEJAVA.
MALU - (ao celular) Marcos? São três horas da tarde. Estou tentando falar com você desde cedo. Por que não atendeu o celular?
O RAPAZ NÃO RESPONDEU. ESTAVA EM CONFLITO. DO OUTRO LADO, A VOZ DA MOÇA PROCURAVA CONTROLAR-SE. MAS SÚBITO, EXPLODIU:
MALU - Marcos, por que não responde? Tem medo? Medo de mim? Você não é um homem, você é um covarde! Covarde!
A MOÇA SENTIU QUE ELE HAVIA DESLIGADO. DESLIGOU TAMBÉM, CHOCADÍSSIMA. A NEUROSE COMO QUE AFLOROULHE À TONA. SEUS OLHOS ADQUIRIRAM UM BRILHO ESTRANHO. ELA SENTIU A NECESSIDADE PREMENTE DE LIBERTAR SUA AGRESSIVIDADE REPRIMIDA. OLHOU EM VOLTA, COMO SE PROCURASSE ALGUÉM A QUEM AGREDIR. LÁ ESTAVA ISADORA, DEITADA NUM SOFÁ, LENDO UMA REVISTA. AVANÇOU EM SUA DIREÇÃO, O OLHAR DESVAIRADO.
MALU - Sabe, eu odeio você! Por que não vai embora, sua vigarista duma figa! Esta casa é da minha mãe, está ouvindo? Ela vai voltar um dia e você vai ter que sair!
SENHORINHA ENTROU NA SALA E AINDA CHEGOU A OUVIR AS ÚLTIMAS PALAVRAS. ISADORA CORREU PARA ELA, RILHANDO OS DENTES.
ISADORA - Senhorinha! Obrigada por chegar... Você me salvou de ser assassinada por essa fera!
CENA 4 - APARTAMENTO DE MARCELÃO - SALA - INT. -TARDE.
QUEM PRIMEIRO SOUBE DA TRÁGICA NOTÍCIA FOI TATIANA,NAMORADA DE CECÉU.
TATIANA - Acidente? Mas como?
MARCELÃO - (ao telefone) É preciso calma, Tatiana. Você sabe, Cecéu era meu melhor amigo...
TATIANA - Era? (soltou um grito como se tivesse sido ferida e caiu desmaiada).
MARCELÃO DESLIGOU. CECÉU FITAVA-O, APREENSIVO, TENSO.
CECÉU - Ela tá bem? Qual foi a reação dela?
MARCELÃO - Desmaiou. Agora é a vez do Monteiro Prado. Ligando.
CONCENTRADO NO PAPEL DE AMIGO INCONSOLÁVEL DO MORTO, MARCELÃO DISCOU OS NÚMEROS DO BANQUEIRO.
CORTA PARA:
CENA 5 - APARTAMENTO DE MONTEIRO PRADO -ESCRITÓRIO - INT. - NOITE.
MONTEIRO PRADO - (sem acreditar no que ouvia) Incrível,
meu Deus, um rapaz tão forte e tão moço!... Foi colapso? Nossa Senhora, isso me deixa bastante preocupado com Malu! Vai seu um choque pra ela...
MARCELÃO - Pois é. O velório vai ser no salão da Pensão Primavera, da D. Gigi. Se quiserem aparecer lá, pra dar um último adeus... Coitado do Cecéu. Pra morrer, basta estar vivo...
CORTA PARA:
CENA 6 - PENSÃO PRIMAVERA - SALÃO - INT. - DIA.
A SALA DA PENSÃO DE DONA GIGI FOI TRANSFORMADA EM CÂMARA MORTUÁRIA. TATIANA ESTAVA SENTADA NO SOFÁ, SENDO CONSOLADA POR SORAIA. ALBERTO, COMPANHEIRO DE QUARTO DO MORTO E ZÉ URBANO ESTAVAM DE PÉ, EM ATITUDE APROPRIADA À SITUAÇÃO, QUANDO O TELEFONE TOCOU.
SORAIA - Alô? Sim. Pensão Primavera. Quem quer falar com ele? Pé de Anjo?
MARCELÃO OUVIU E CORREU PARA JUNTO DO TELEFONE.
MARCELÃO - Pode deixar, minha filha, eu atendo! (e com voz fúnebre) Alô, o senhor deseja falar com o Cecéu? Olha, infelizmente, ele não vai poder atender, meu amigo. O nosso Cecéu faleceu hoje. O corpo está sendo velado aqui mesmo, na pensão da Dona Gigi. Aliás, o corpo vai ser levado, ainda hoje, para ser enterrado em Itapetininga, a pedido de uma tia dele, que mora lá.
MARCELÃO DESLIGOU E APROXIMOU-SE DO CAIXÃO. CECÉU ABRIU UM OLHO.
MARCELÃO - (num sussurro) Como vai a coisa? Muito mal? As flores dão vontade de espirrar? Aguenta firme, que o Pé de Anjo deve vir. É bom que ele veja você.
MARCELÃO PERCEBEU QUE TATIANA ESTAVA OLHANDO PARA ELE E FINGIU REZAR, SUSSURRANDO PALAVRAS INCOMPREENSÍVEIS. FOI SALVO PELA ENTRADA PROVIDENCIAL DE JULIO BIRUTA, SELMINHA, ALFREDINHO,LUANA E OUTROS COLEGAS DA TURMA.
JULIO BIRUTA - (achegou-se ao caixão) Coisa bêsta, hem? Ele nem parece que está morto! Coitado, era gente boa, apesar de ter roubado minha moto uma vez...
DONA GIGI APARECEU NO ALTO DA ESCADA.
DONA GIGI - (dirigiu-se a Zé Urbano, o marido) De onde veio essa turma de gente esquisita? Que Deus me perdoe, mas seu Cecéu tinha umas amizades...
DAÍ A INSTANTES CHEGARAM MONTEIRO PRADO E ISADORA. O BANQUEIRO CUMPRIMENTOU MARCELÃO, COM AR DE PESAR.
MONTEIRO PRADO - Não consigo acreditar que este rapaz tenha morrido. Quem diria, hem, Marcelão! Um rapaz tão bom, tão ajuizado!
O HOMEM MAL ENCARADO, FISIONOMIA DURA E DESCONFIADA, BARBA POR FAZER, ENTROU, ATRAINDO A ATENÇÃO DE MARCELÃO.
MARCELÃO - (aproximando-se) Boa tarde... era amigo do Cecéu?
SEM RESPONDER, O HOMEM ACERCOU-SE DO CAIXÃO, HESITANTE. OLHOU DEMORADAMENTE O CORPO IMÓVEL, CERCADO DE FLORES.
MARCELÃO - (quase sussurrando ao ouvido do sujeito) Coitado do Cecéu... Parece que tinha uma doença contagiosa, e nem sabia... morreu de repente...
PÉ DE ANJO ARREGALOU OS OLHOS, ASSUSTADO.
PÉ DE ANJO - Con... con.. tagiosa?
MARCELÃO - Fale baixo, porque muita gente que está aqui não sabe. Se soubessem, nem teriam vindo. Esta sala estaria vazia.... Ia ser um velório muito triste...
INCONTINENTI, O HOMEM DEU DOIS PASSOS PARA TRÁS,
COM A MÃO COBRINDO O NARIZ.
PÉ DE ANJO - Eu... só queria dar um último adeus pro Cecéu. Vou indo... até!
PÉ DE ANJO DIRIGIU-SE PARA A PORTA, A PASSOS RÁPIDOS.
MARCELÃO SEGUIU-O.
MARCELÃO - Espera, meu amigo... qual seu nome?... O senhor, quem é?
PÉ DE ANJO - Pé de Anjo... é assim que o pessoal me conhece...
MARCELÃO - Sabe o que é,seu Pé... é que tá faltando uma pessoa pra segurar uma alça do caixão. O pessoal que tá aqui tá com medo de pegar a doença. Tenho certeza de que o senhor, como amigo dele, não vai se negar. Aposto que nem vai pensar em doença num momento triste como esse!... Afinal, o mais importante é a amizade...
PÉ DE ANJO - (cortou) Fui!
... E PRECIPITOU-SE PARA A RUA, SEM OLHAR PARA TRÁS.
FIM DO CAPÍTULO 23
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