24º
Capítulo
Zélia analisa
Marcelo do alto da cabeça à planta dos pés. Com reprovação.
Zélia (em pensamento, com asco) –
Trastezinho maldito... – falando consigo mesma – Olha o tipo do carro, como se
veste... Tentando ser o que não é, pensando que eu vou cair no papo de que ele
é santinho... – irônica – É hoje que a máscara dele cai!
Marcelo está
segurando um belo vaso de violetas que comprou especialmente porque Laura
mencionou em uma conversa que a mãe adorava plantas. O skatista reconhece Zélia
e sorri para ela que continua o fitando seriamente. Laura, desconcertada, tenta
contornar a situação.
Laura (encaminhando Marcelo para dentro de casa) – Minha
mãe costuma ser sempre austera, mas você vai ver que ela é boa gente.
Marcelo (para Zélia) –
Bom dia, dona Zélia.
Zélia – Então é você
o Marcelo?
Marcelo (educado, respeitador) –
Sim, sou eu. E a senhora é a D. Zélia?
Zélia (ríspida) – Sim,
sou a mãe da Laura. Então quer dizer que é o namorado dela?
Marcelo – Sim, senhora.
Sinto-me profundamente lisonjeado pelo convite, tanto que lhe trouxe um
presente. – entrega o vaso de violetas para a sogra – Espero que goste.
Zélia (cínica) – É
adorável de sua parte.
Marcelo – Belas
violetas para uma bela sogra...
Zélia – Queira
entrar, por favor.
Laura fecha a
porta de casa e sem que ninguém perceba, cruza os dedos para que não haja
nenhum atrito.
Zélia (para Laura e Marcelo) –
Ainda falta um pouco pro almoço ficar pronto.
Laura (amável, encaixa sua mão na de Marcelo) –
Tudo bem, mãe, a gente espera. – constrangida, mesmo sem motivos – Caso queiram
esperar na mesa, sintam-se a vontade porque já ta tudo pronto... Só falta o
arroz secar...
Zélia se
retira levando consigo o vaso que ganhou do genro. Laura convida Marcelo a se
sentar no sofá com ela. Até disso o rapaz está com medo porque percebeu que
Zélia mostrou certa antipatia com ele.
Marcelo (sussurra) – Laura,
tem certeza que é de boa?
Laura – Vai dar tudo
certo, meu amor. Minha mãe é um pouco fechada mesmo.
Laura abraça
Marcelo e ele a corresponde.
Casa de Laura.
Lavanderia. Final da manhã.
Zélia gosta de
plantas e folhagens, mas está desconfiada de Marcelo. Apoia o vaso em cima da
máquina de lavar roupa e o cavouca sem receio de estragar as flores. Procura
drogas enterradas. Não há nada que incrimine Marcelo. Apenas destruiu o
presente que com tanto zelo o skatista comprou para reverencia-la.
Casa de Laura.
Sala. Final da manhã.
Laura e
Marcelo estão sentados no sofá conversando.
Laura – Ferradura
deve estar arrasado... Perder justo a mãe...
Marcelo – Mais tarde eu
vou dar uma passadinha pra visita-lo. Se quiser vir comigo...
Laura – Acho que ele
precisa mais da sua companhia do que da minha.
Marcelo (carinhoso)
– Só pra poder ficar mais tempo ao seu lado...
Amauri acabou
de se arrumar para o almoço. Vê Marcelo sentado no sofá. Tem ciúmes de ver a
filha caçula namorando um rapaz 10 anos mais velho que ela, mas aparentemente
Marcelo lhe parece um bom sujeito.
Amauri – Marcelo?
Marcelo se
levanta do sofá para cumprimentar o sogro. A primeira impressão é a que fica.
Laura se coloca de pé com as mãos para trás.
Amauri – E aí,
Marcelo? Está gostando daqui?
Marcelo – Sim, sim.
Amauri – Espero que
tenha vindo pronto pra arrasar porque a Zélia caprichou no cardápio.
Marcelo não é
bobo. Tem pleno discernimento e é maduro o bastante para compreender que os
sogros ainda não se adaptaram com a ideia de ele ser namorado de Laura. Somente
pela linguagem corporal é possível perceber que Amauri não sabe como se livrar
da incômoda situação, mas é mais maleável e tolerante que Zélia.
Laura (tentando fazer o papo se prolongar) –
Pai, sabia que o Marcelo também é Coxa Branca?
Amauri (sem dar muita importância) –
É verdade, Marcelo?
Marcelo – Sou Coxa
Branca desde moleque, mas o skate é mais a minha praia.
Laura (bajulando o namorado) – Marcelo
não é um simples skatista... É campeão...
Amauri – Campeão de
skates?
Laura – Ora, pai.
Campeão nacional.
Os três
personagens adentram a sala de jantar. Marcelo é campeão nacional, coleciona
honrarias e títulos, é idolatrado pelos iniciantes, referência para os colegas
e invejado pelos que tentam e não conseguem cumprir nem metade dos seus feitos.
Mantém a modéstia. Diante da amada e dos sogros é apenas Marcelo.
Laura – Marcelo é
skatista profissional e só ainda não venceu o s X-GAMES, mas no mais aqui no
Brasil ele não tem pra ninguém.
Marcelo – Onde é que
fica o banheiro, amor?
Laura (gesticulando, aponta em direção ao corredor)
– O lavabo fica na primeira porta a direita.
Marcelo sinaliza
que logo voltará. Após isso, Laura e o pai, já sentados na mesa, cada um em seu
lugar, fazem silêncio.
Casa de Laura.
Lavabo. Tarde.
Marcelo foi
lavar as mãos. Olha para a própria imagem refletida no espelho. Está abatido, angustiado,
tenso. As mãos suam, a respiração ofega. As palavras se perdem de vista. Nem
mesmo quando está competindo sente-se tão pressionado.
Marcelo abre a
torneira e molha o rosto a fim esboçar a calma necessária. Toca na toalha
branca pendurada ao lado da pia. Até disso receia. Tem um dia todo pela frente
e a prerrogativa em mãos de ir embora e não participar disso. Ser gratuitamente
humilhado a troco de nada.
Laura se
magoaria muito se ele fosse embora sem dar quaisquer explicações. Sentir-se-ia
ofendida.
Casa de Laura.
Sala. Tarde.
Laura traz as
travessas com comida até a mesa da sala de jantar. Está tudo pronto para o
grande almoço.
Já na sala,
Zélia cochicha com Amauri.
Zélia – Isso pra mim
ta sendo uma provação, meu bem.
Amauri – Pra mim
também, Zélia.
A porta do
banheiro se abre. O casal tenta dissimular.
Zélia – Podemos
servir o almoço?
Marcelo – A vontade, D.
Zélia. Fiquem completamente a vontade. Eu sou só visita, não mando nada.
Laura corteja
o namorado, ainda que ele se sinta na obrigação disso. Para ver o lindo sorriso
de Laura, nada é dever para o skatista e sim um prazer. Diante dos sogros,
porém, sente-se inferior, incapaz, indigno.
Zélia (forrando o prato com cenoura ralada) –
E aí, o que faz da vida?
Marcelo – Sou skatista
profissional.
Amauri (um pouco rude com o genro) –
Zélia se refere a uma ocupação.
Marcelo (convicto) –
Senhor, eu sou atleta.
Zélia – Não sabia que
skatista era atleta.
Marcelo – Sou tão
atleta quanto um maratonista.
Zélia – Mas maratonistas
não são fichados pela policia.
Laura (se
irrita com as investidas de Zélia) – Não é bem assim, mãe. Não é como essa
mídia podre e manipuladora ta falando aí não...
Zélia (ridiculariza a filha diante do namorado) –
Agora essa aí deu de virar ambientalista, riponga e agora vem contestar a
mídia... A mídia só faz o trabalho dela que é noticiar e mostrar pra sociedade
quem são os vasos feios dela.
Laura (contesta Zélia) –
Pois nem sempre a mídia mostra a verdade.
Marcelo (não deixa Zélia humilhá-lo)
– Skatista de verdade é respeitado. Não é por causa de um e outro que toda a
nação tem que pagar.
Zélia – Só que não me
convenço com você me dizendo que é skatista profissional.
Marcelo – E sou, dona
Zélia. Trabalho tanto quanto qualquer outro profissional, ganho meu pão fazendo
o que gosto e procuro me superar sempre...
Laura – E é, mãe.
Tanto que o Marcelo é o ícone da nossa geração. Os mais entendedores de skate
até o comparam com o Tony Hawk.
Pergunta a qualquer moleque nas pracinhas da vida, quem é o Tony Hawk
brasileiro e é óbvio que vão responder que é o Marcelo. Querem resposta melhor
que essa?
Marcelo (modesto, ainda que o que Laura disse seja
verdade) – Nem tanto, Laura.
Laura – Por que não
fala a eles que conhece a lenda viva dos skates e que é ídolo da sua geração,
que aqui no Brasil não tem pra ninguém...
Amauri – Mas assim
como no futebol, os atletas têm que se aposentar. Depois disso o que um
skatista faz? Vai viver do que?
Marcelo (explica calmamente ao sogro) –
Eu já vivo do patrocínio das grandes marcas porque as divulgo, trabalho pra
elas. Sou o garoto propaganda.
Zélia – Garoto propaganda
de marcas de skate? Isso lá dá pra sustentar alguém?
Marcelo – Nunca nada
faltou a minha família.
Laura – Marcelo sustenta
a mãe dele.
Amauri (pressiona Marcelo) –
Mas e aí? Você pensa no que vai fazer quando se aposentar?
Marcelo – Eu vivo um
dia de cada vez, senhor. Eu vivo para Deus e mesmo trabalhando para ser melhor
do que já fui um dia, do que pensava ser, acima de tudo prevalece à vontade de
Deus e um desejo antigo que tenho é de algum dia ser pastor.
Zélia (sem dar muita ênfase) –
Pastor de igreja?
Marcelo sabe
que a intenção de Laura foi nobre, mas a fome simplesmente sumiu. Não que a
comida esteja ruim porque não está. Apesar de preconceituosa, Zélia cozinha
muito bem. Acontece que cada garfada entala no alto da garganta e vai ficando
cada vez mais difícil permanecer ali.
Marcelo - Como pastor,
me interessa muito ter um contato mais profundo com a nação jovem,
principalmente os futuros skatistas. A fama é um barato, todo mundo sonha com
ela, mas é uma via de mão dupla porque ao mesmo tempo em que você chega lá no
topo, de um dia pro outro despenca. Você tem que estar pronto pra isso. Muitos
skatistas amigos meus inclusive se perdem nessa linha tênue entre sucesso e
fracasso. A fama mexe com a cabeça das pessoas as fazendo pensar que são mais
poderosas do que realmente são. Algumas se sentem pressionadas, outras
invencíveis. A fama é uma amiga traiçoeira. Primeiro ela vai te conquistar aos
poucos. Festa, dinheiro, amigos. Você vai se acostumar com a boa vida e vai
querer mais e mais daquilo. Só isso não vai bastar, não vai. Essa insatisfação
vai te fazer procurar alguma coisa que te satisfaça, que te deixe lá nas
alturas, se sentindo o rei. Essa alegria toda só reveste a tristeza, o vazio.
Em busca de preencher esse intenso vazio é que se encontra a rotatória pro
fundo do poço...
Laura,
admirada, até pousa os talheres no prato para ouvir o namorado. Marcelo poderia
ter seguido o caminho das drogas e hoje estar morto ou ser um traste como
Ferradura, mas buscou a força em Deus e não se iludiu com o que prometia o ‘submundo’.
Marcelo – Então vocês
entendem que apresentando Jesus a esses jovens eles vão compreender que por
mais gratificante que seja a fama, ela não vai suprir as verdadeiras
necessidades do homem, apenas fingir que o problema está resolvido, mas não
está.
Casa de
Vinicius. Cozinha. Tarde.
A família de
Vinicius almoça reunida.
Paula – A Mayara disse
a que horas viria?
Vinicius – Ela vem com a
Karinna, então daqui a pouco elas estão aí.
Fabrício – Nós já
conhecemos essa Mayara?
Vinicius – De vista acho
que sim.
Daiana – A uma hora
dessas, com certeza, a Zélia e o Amauri já estão frente a frente com o Marcelo.
Espero que a bruaca não esteja destratando o Marcelo.
Fabrício – Entenda,
Daiana, Marcelo é 10 anos mais velho que Laura. É natural que os pais dela
estejam estranhando o relacionamento, então é preciso dar tempo ao tempo pra
que eles se acostumem com a ideia e deem esse voto de confiança ao casal.
Vinicius – Não gosto de
me intrometer nas conversas dos outros, mas a Zélia é um pouco preconceituosa.
Se lembra com a Elisa lá...
Daiana – Com a Elisa?
A Elisa só começou a prestar pra ela depois que morreu...
Vinicius – O pior é que
é verdade...
Daiana (revoltada) –
A Zélia não dá valor pras filhas que tem.
Após uma breve
pausa, a campainha da casa toca. Daiana limpa a boca com o guardanapo e vai
atender. Empalidece ao ver Ferradura.
Nossa, mais pareceu uma entrevista de emprego. Zélia e Amauri são cegos, só pode.
ResponderExcluirPor causa disso o Marcelo e a Laura vão brigar pela primeira vez. :/
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