segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Resistência - 24º Capítulo



24º Capítulo

Zélia analisa Marcelo do alto da cabeça à planta dos pés. Com reprovação.

Zélia (em pensamento, com asco) – Trastezinho maldito... – falando consigo mesma – Olha o tipo do carro, como se veste... Tentando ser o que não é, pensando que eu vou cair no papo de que ele é santinho... – irônica – É hoje que a máscara dele cai!

Marcelo está segurando um belo vaso de violetas que comprou especialmente porque Laura mencionou em uma conversa que a mãe adorava plantas. O skatista reconhece Zélia e sorri para ela que continua o fitando seriamente. Laura, desconcertada, tenta contornar a situação.

Laura (encaminhando Marcelo para dentro de casa) – Minha mãe costuma ser sempre austera, mas você vai ver que ela é boa gente.
Marcelo (para Zélia) – Bom dia, dona Zélia.
Zélia – Então é você o Marcelo?
Marcelo (educado, respeitador) – Sim, sou eu. E a senhora é a D. Zélia?
Zélia (ríspida) – Sim, sou a mãe da Laura. Então quer dizer que é o namorado dela?
Marcelo – Sim, senhora. Sinto-me profundamente lisonjeado pelo convite, tanto que lhe trouxe um presente. – entrega o vaso de violetas para a sogra – Espero que goste.
Zélia (cínica) – É adorável de sua parte.
Marcelo – Belas violetas para uma bela sogra...
Zélia – Queira entrar, por favor.

Laura fecha a porta de casa e sem que ninguém perceba, cruza os dedos para que não haja nenhum atrito.

Zélia (para Laura e Marcelo) – Ainda falta um pouco pro almoço ficar pronto.
Laura (amável, encaixa sua mão na de Marcelo) – Tudo bem, mãe, a gente espera. – constrangida, mesmo sem motivos – Caso queiram esperar na mesa, sintam-se a vontade porque já ta tudo pronto... Só falta o arroz secar...

Zélia se retira levando consigo o vaso que ganhou do genro. Laura convida Marcelo a se sentar no sofá com ela. Até disso o rapaz está com medo porque percebeu que Zélia mostrou certa antipatia com ele.

Marcelo (sussurra) – Laura, tem certeza que é de boa?
Laura – Vai dar tudo certo, meu amor. Minha mãe é um pouco fechada mesmo.

Laura abraça Marcelo e ele a corresponde.

Casa de Laura. Lavanderia. Final da manhã.

Zélia gosta de plantas e folhagens, mas está desconfiada de Marcelo. Apoia o vaso em cima da máquina de lavar roupa e o cavouca sem receio de estragar as flores. Procura drogas enterradas. Não há nada que incrimine Marcelo. Apenas destruiu o presente que com tanto zelo o skatista comprou para reverencia-la.

Casa de Laura. Sala. Final da manhã.

Laura e Marcelo estão sentados no sofá conversando.

Laura – Ferradura deve estar arrasado... Perder justo a mãe...
Marcelo – Mais tarde eu vou dar uma passadinha pra visita-lo. Se quiser vir comigo...
Laura – Acho que ele precisa mais da sua companhia do que da minha.
Marcelo (carinhoso) – Só pra poder ficar mais tempo ao seu lado...

Amauri acabou de se arrumar para o almoço. Vê Marcelo sentado no sofá. Tem ciúmes de ver a filha caçula namorando um rapaz 10 anos mais velho que ela, mas aparentemente Marcelo lhe parece um bom sujeito.

Amauri – Marcelo?

Marcelo se levanta do sofá para cumprimentar o sogro. A primeira impressão é a que fica. Laura se coloca de pé com as mãos para trás.

Amauri – E aí, Marcelo? Está gostando daqui?
Marcelo – Sim, sim.
Amauri – Espero que tenha vindo pronto pra arrasar porque a Zélia caprichou no cardápio.

Marcelo não é bobo. Tem pleno discernimento e é maduro o bastante para compreender que os sogros ainda não se adaptaram com a ideia de ele ser namorado de Laura. Somente pela linguagem corporal é possível perceber que Amauri não sabe como se livrar da incômoda situação, mas é mais maleável e tolerante que Zélia.

Laura (tentando fazer o papo se prolongar) – Pai, sabia que o Marcelo também é Coxa Branca?
Amauri (sem dar muita importância) – É verdade, Marcelo?
Marcelo – Sou Coxa Branca desde moleque, mas o skate é mais a minha praia.
Laura (bajulando o namorado) – Marcelo não é um simples skatista... É campeão...
Amauri – Campeão de skates?
Laura – Ora, pai. Campeão nacional.

Os três personagens adentram a sala de jantar. Marcelo é campeão nacional, coleciona honrarias e títulos, é idolatrado pelos iniciantes, referência para os colegas e invejado pelos que tentam e não conseguem cumprir nem metade dos seus feitos. Mantém a modéstia. Diante da amada e dos sogros é apenas Marcelo.

Laura – Marcelo é skatista profissional e só ainda não venceu o s X-GAMES, mas no mais aqui no Brasil ele não tem pra ninguém.
Marcelo – Onde é que fica o banheiro, amor?
Laura (gesticulando, aponta em direção ao corredor) – O lavabo fica na primeira porta a direita.

Marcelo sinaliza que logo voltará. Após isso, Laura e o pai, já sentados na mesa, cada um em seu lugar, fazem silêncio.

Casa de Laura. Lavabo. Tarde.

Marcelo foi lavar as mãos. Olha para a própria imagem refletida no espelho. Está abatido, angustiado, tenso. As mãos suam, a respiração ofega. As palavras se perdem de vista. Nem mesmo quando está competindo sente-se tão pressionado.

Marcelo abre a torneira e molha o rosto a fim esboçar a calma necessária. Toca na toalha branca pendurada ao lado da pia. Até disso receia. Tem um dia todo pela frente e a prerrogativa em mãos de ir embora e não participar disso. Ser gratuitamente humilhado a troco de nada.

Laura se magoaria muito se ele fosse embora sem dar quaisquer explicações. Sentir-se-ia ofendida.

Casa de Laura. Sala. Tarde.

Laura traz as travessas com comida até a mesa da sala de jantar. Está tudo pronto para o grande almoço.

Já na sala, Zélia cochicha com Amauri.

Zélia – Isso pra mim ta sendo uma provação, meu bem.
Amauri – Pra mim também, Zélia.

A porta do banheiro se abre. O casal tenta dissimular.

Zélia – Podemos servir o almoço?
Marcelo – A vontade, D. Zélia. Fiquem completamente a vontade. Eu sou só visita, não mando nada.

Laura corteja o namorado, ainda que ele se sinta na obrigação disso. Para ver o lindo sorriso de Laura, nada é dever para o skatista e sim um prazer. Diante dos sogros, porém, sente-se inferior, incapaz, indigno.

Zélia (forrando o prato com cenoura ralada) – E aí, o que faz da vida?
Marcelo – Sou skatista profissional.
Amauri (um pouco rude com o genro) – Zélia se refere a uma ocupação.
Marcelo (convicto) – Senhor, eu sou atleta.
Zélia – Não sabia que skatista era atleta.
Marcelo – Sou tão atleta quanto um maratonista.
Zélia – Mas maratonistas não são fichados pela policia.
Laura (se irrita com as investidas de Zélia) – Não é bem assim, mãe. Não é como essa mídia podre e manipuladora ta falando aí não...
Zélia (ridiculariza a filha diante do namorado) – Agora essa aí deu de virar ambientalista, riponga e agora vem contestar a mídia... A mídia só faz o trabalho dela que é noticiar e mostrar pra sociedade quem são os vasos feios dela.
Laura (contesta Zélia) – Pois nem sempre a mídia mostra a verdade.
Marcelo (não deixa Zélia humilhá-lo) – Skatista de verdade é respeitado. Não é por causa de um e outro que toda a nação tem que pagar.
Zélia – Só que não me convenço com você me dizendo que é skatista profissional.
Marcelo – E sou, dona Zélia. Trabalho tanto quanto qualquer outro profissional, ganho meu pão fazendo o que gosto e procuro me superar sempre...
Laura – E é, mãe. Tanto que o Marcelo é o ícone da nossa geração. Os mais entendedores de skate até o comparam com o Tony Hawk. Pergunta a qualquer moleque nas pracinhas da vida, quem é o Tony Hawk brasileiro e é óbvio que vão responder que é o Marcelo. Querem resposta melhor que essa?
Marcelo (modesto, ainda que o que Laura disse seja verdade) – Nem tanto, Laura.
Laura – Por que não fala a eles que conhece a lenda viva dos skates e que é ídolo da sua geração, que aqui no Brasil não tem pra ninguém...
Amauri – Mas assim como no futebol, os atletas têm que se aposentar. Depois disso o que um skatista faz? Vai viver do que?
Marcelo (explica calmamente ao sogro) – Eu já vivo do patrocínio das grandes marcas porque as divulgo, trabalho pra elas. Sou o garoto propaganda.
Zélia – Garoto propaganda de marcas de skate? Isso lá dá pra sustentar alguém?
Marcelo – Nunca nada faltou a minha família.
Laura – Marcelo sustenta a mãe dele.
Amauri (pressiona Marcelo) – Mas e aí? Você pensa no que vai fazer quando se aposentar?
Marcelo – Eu vivo um dia de cada vez, senhor. Eu vivo para Deus e mesmo trabalhando para ser melhor do que já fui um dia, do que pensava ser, acima de tudo prevalece à vontade de Deus e um desejo antigo que tenho é de algum dia ser pastor.
Zélia (sem dar muita ênfase) – Pastor de igreja?

Marcelo sabe que a intenção de Laura foi nobre, mas a fome simplesmente sumiu. Não que a comida esteja ruim porque não está. Apesar de preconceituosa, Zélia cozinha muito bem. Acontece que cada garfada entala no alto da garganta e vai ficando cada vez mais difícil permanecer ali.

Marcelo - Como pastor, me interessa muito ter um contato mais profundo com a nação jovem, principalmente os futuros skatistas. A fama é um barato, todo mundo sonha com ela, mas é uma via de mão dupla porque ao mesmo tempo em que você chega lá no topo, de um dia pro outro despenca. Você tem que estar pronto pra isso. Muitos skatistas amigos meus inclusive se perdem nessa linha tênue entre sucesso e fracasso. A fama mexe com a cabeça das pessoas as fazendo pensar que são mais poderosas do que realmente são. Algumas se sentem pressionadas, outras invencíveis. A fama é uma amiga traiçoeira. Primeiro ela vai te conquistar aos poucos. Festa, dinheiro, amigos. Você vai se acostumar com a boa vida e vai querer mais e mais daquilo. Só isso não vai bastar, não vai. Essa insatisfação vai te fazer procurar alguma coisa que te satisfaça, que te deixe lá nas alturas, se sentindo o rei. Essa alegria toda só reveste a tristeza, o vazio. Em busca de preencher esse intenso vazio é que se encontra a rotatória pro fundo do poço...

Laura, admirada, até pousa os talheres no prato para ouvir o namorado. Marcelo poderia ter seguido o caminho das drogas e hoje estar morto ou ser um traste como Ferradura, mas buscou a força em Deus e não se iludiu com o que prometia o ‘submundo’.

Marcelo – Então vocês entendem que apresentando Jesus a esses jovens eles vão compreender que por mais gratificante que seja a fama, ela não vai suprir as verdadeiras necessidades do homem, apenas fingir que o problema está resolvido, mas não está.

Casa de Vinicius. Cozinha. Tarde.

A família de Vinicius almoça reunida.

Paula – A Mayara disse a que horas viria?
Vinicius – Ela vem com a Karinna, então daqui a pouco elas estão aí.
Fabrício – Nós já conhecemos essa Mayara?
Vinicius – De vista acho que sim.
Daiana – A uma hora dessas, com certeza, a Zélia e o Amauri já estão frente a frente com o Marcelo. Espero que a bruaca não esteja destratando o Marcelo.
Fabrício – Entenda, Daiana, Marcelo é 10 anos mais velho que Laura. É natural que os pais dela estejam estranhando o relacionamento, então é preciso dar tempo ao tempo pra que eles se acostumem com a ideia e deem esse voto de confiança ao casal.
Vinicius – Não gosto de me intrometer nas conversas dos outros, mas a Zélia é um pouco preconceituosa. Se lembra com a Elisa lá...
Daiana – Com a Elisa? A Elisa só começou a prestar pra ela depois que morreu...
Vinicius – O pior é que é verdade...
Daiana (revoltada) – A Zélia não dá valor pras filhas que tem.

Após uma breve pausa, a campainha da casa toca. Daiana limpa a boca com o guardanapo e vai atender. Empalidece ao ver Ferradura.

2 comentários:

  1. Nossa, mais pareceu uma entrevista de emprego. Zélia e Amauri são cegos, só pode.

    ResponderExcluir
  2. Por causa disso o Marcelo e a Laura vão brigar pela primeira vez. :/

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

© 2011 Mania TV Web, AllRightsReserved.

Designed by ScreenWritersArena