sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Resistência - 15º Capítulo



15º Capítulo

Laura não suporta as investidas preconceituosas e caluniosas da psicóloga. Sabe que se exasperou, mas foi inevitável. Quem está longe não viu o olhar de nojo com que Alana fita a garota, como se ela fosse um lixo por não ser mais uma patricinha maquiada com cabelos longos e loiros (oxigenados) escorrendo pelos ombros e usando roupas apertadas.

Dra. Alana (olha as horas, rabisca na prancheta) – Você pode sair do vício se quiser, Laura. 
Laura - Você é perversa... Você não vale nada!
Dra. Alana - Você se porta como uma viciada, seus trejeitos indicam perturbação.
Laura - Cala essa boca!
Dra. Alana - Você se considera perigosa?
Laura - Não tanto quanto você.
Dra. Alana - Muitos viciados se queixam que o período da abstinência é marcado pela instabilidade emocional. Alguns parentes se queixam...
Laura (berra com ódio) - Eu já disse que não sou nenhuma viciada.
Dra. Alana - Os viciados têm dificuldade em reconhecer o problema, mas o primeiro passo é aceitar que você está doente e não poderá se curar sozinha.

Laura afunda o rosto por entre as mãos, chorando de tristeza. Karinna, logo na sala ao lado, é uma profissional tão competente que seus pacientes mal veem a hora em que ela se forme e possa atender em turno integral, quando for efetivamente contratada. Já Alana, apesar de formada, tem sempre horários vagos. Especializada em atender jovens e adultos, afugenta a maioria dos pacientes na primeira sessão.

Dra. Alana - Sua mãe está disposta a pagar o quanto for pra te separar dessas más influências.
Laura (rangendo os dentes, chorando) – Más influências não são eles, mas você...
Dra. Alana - Eu sou especialista em adolescentes e adultos, posso te ajudar.
Laura - Eu não quero a droga da sua ajuda, não quero nada de você.
Dra. Alana - Se você não tomar consciência de que a droga te faz mal, a tendência é que você precise de internação.

Laura se coloca de pé, a caminhar pelo recinto. Encontra-se nervosa.

Dra. Alana (repreende Laura) - Não pode sair ainda. Temos mais alguns minutinhos.
Laura - Eu não quero ficar.
Dra. Alana - Sua mãe pagou pela sessão.
Laura (encara Alana sem medo) -  Escuta aqui, sua patricinha de merda. Não é só porque eu tenho 14 anos que você vai falar o que quiser pra mim. Eu não preciso da sua ‘caridade’, não vou falar sobre a minha vida pessoal pra uma pessoa que não tem poder nenhum pra me ajudar. De fato, não faz diferença pra você se eu estiver triste ou não. Você não se importa com os outros, com a dor de ninguém, só o que você quer é ser chamada de doutora, ganhar seu salário e se livrar de todo mundo às 18h00min. Eu tô pouco cagando pro que você pensa de mim, sua desgraçada. Escolheu ser psicóloga por puro status porque não deve ter conseguido passar em Medicina. Você disse que eu sou recalcada, mas a única recalcada aqui é você, fofa. É você, que queria estudar Medicina pra pegar um macho médico e com certeza Deus escreveu certo por linhas tortas, porque a área da saúde precisa de gente de verdade, gente que sinta pela sua gente, que não tenha medo de tocar, de ajudar, que tenha ouvidos dispostos a confortar, uma boca que fale com amor, não como você que se acha grande merda porque malha o rabo numa academia e se entope de maquiagem, achando que todo mundo tem inveja da sua aparência, o que na real não é verdade.

Alana olha no relógio.

Dra. Alana – Você está surtando.
Laura - E se eu estiver? 
Dra. Alana - Você está desequilibrada. Tem certeza de que não é bipolar? Seu humor oscila com que frequência?
Laura (raivosa) - É difícil não surtar vendo tamanha injustiça... 
Dra. Alana - E você considera uma injustiça o fato de que sua mãe queira te tirar do vício?

Laura levanta a mão em direção à cadeira onde Alana está sentada com a prancheta cheia de anotações tendenciosas.

Laura - Se você falar mais uma vez que eu sou viciada, eu vou bater na sua cara.
Dra. Alana - Você está me ameaçando?
Laura - Você está me ofendendo desde que deu início a essa sessão. Não tem ser humano que aguente tanto deboche de uma pessoa só.

Se tem alguém que eu admiro pacas é quem está atendendo na sala ao lado. Karinna sim é uma psicóloga de verdade e o futuro dela será brilhante. 

As sessões duram em média 30 minutos. Em menos de 10 minutos outro paciente estará sentado do lugar de Laura. Alana quer apenas que chegue 18h00min para se livrar do ‘fardo’.

Laura (caminha em direção à porta) – Não precisa ficar olhando pro relógio esperando que a hora passe. (abre a porta) Eu to indo nessa porque não tem nada pra mim por aqui. Ah! Não precisa me esperar na semana que vem porque eu não virei. Eu não direi prazer em conhecer porque foi um desprazer perder uma tarde incrível com os meus amigos pra estar aqui diante de uma hipócrita de jaleco. Se eu preciso de cura, você precisa de um coração novo e de preferência com piedade e amor pelo próximo, porque pra isso não tem corretivo.

E se retira.

Zélia (espantada) – O que houve, Laura?
Laura – Pergunta pra sua amiguinha.

Karinna saiu da sala para apanhar um copo de água com açúcar para a paciente quando encontra Laura. Elas se abraçam.

Karinna – Minha anja, o que faz aqui?
Laura – Me consultando.
Karinna (pensativa) - Com a Alana?
Laura - Nunca mais quero ouvir falar nessa vadia na minha vida...
Zélia (apressa Laura) – Vamos, vamos lá dentro falar com a Dra. Alana.
Laura (enfrenta a mãe) – Eu não tenho nada pra falar com aquela patricinha. Se quiser se consultar, aproveita que ela tem tempo.
Karinna (para Laura) – Minha anja, me espera aqui pra gente conversar mais tarde.

Alana chama Zélia para dentro da sala. Laura não as acompanha e deixa o consultório sem marcar o retorno.

Música: My immortal - Evanescence.


Casa de Vinicius. Sala. Tarde.

Daiana assiste televisão enquanto come um pacote de salgadinho com as mãos. Com saudades de Adriano, resolve telefonar para ele.

Daiana – Oi amor...
Adriano (off) – Oi...
Daiana – Tá de castigo, é?

Casa de Isabel. Interior. Tarde.

Adriano e Jonathan, agora que Isabel voltou a trabalhar, ficam responsáveis pela casa. As tarefas entre os irmãos são bem definidas e a mãe cobra o serviço, tanto que se estiver malfeito eles tem que refazer e o valor é descontado da mesada. A medida tem surtido efeito porque os jovens estão deixando o quarto sempre limpo.

O problema disso, no entanto, é que Adriano e Daiana não podem namorar durante a tarde, como fazem os outros casais da escola. Isso deixa Daiana cheia de pensamentos neuróticos.

Adriano – Não vai dar mesmo, Lobinha. To cheio de coisa pra fazer.
Daiana (dramática, off) – Pra mim você nunca tem tempo.
Adriano (sincero, insiste para Daiana acreditar nele) – Então experimenta falar isso pra minha mãe.

Casa de Vinicius. Sala. Tarde.

Daiana – Tá com uma amante e não quer falar. Por acaso ela tá aí? Se estiver, a expulso daí aos chutes.

Paula está trabalhando pelo computador e não evita ouvir a conversa.

Daiana – Sem vergonha, canalha, ta aí com amante e eu aqui sofrendo...
Adriano (off, irritado) – Dá um tempo, Daiana.
Daiana (furiosa, grita) – Daiana? Daiana, é? Ta se aparecendo pra amante?

Casa de Isabel. Interior. Tarde.

Adriano – Chega de neura, Daiana. Eu tenho que cuidar do Jonathan, não sabe não?
Daiana (off) – Pois o Jonathan vai me contar todos os seus podres, senhor Adriano.

Jonathan está tirando pó dos móveis da sala e não evita apertar o viva-voz para ouvir a discussão do casal.

Daiana (brigando com o namorado) – Pra assumir nosso namoro pra sua mamãezinha você não tem coragem, mas pra me trair pelas costas, tem. Bom saber disso.
Jonathan (intrometido) – Estão brigando?
Adriano – E o que te interessa, moleque?
Jonathan – O Casal 20 ta brigando... (rindo, coloca as mãos na barriga) A Daiana é muito braba, cara. Imagina quando ela ver a amante, então. Não quero nem estar aqui pra ver...
Daiana (desesperada) – Adriano tem mesmo uma amante? TEM, JONATHAN, TEM?
Jonathan – Pergunta pro Didi que ele te responde.
Adriano –‘Cê’ me paga, fedelho.

Daiana dá chilique na linha.

Daiana – Eu vou aparecer aí na tua casa agora mesmo e vou ter um papo com você, senhor Adriano.

Jonathan e Adriano trocam pontapés e empurrões.

Daiana – Tá me ouvindo, Adriano? 

Os irmãos brigam até Isabel interrompê-los.

Isabel – Que é isso, ringue de luta?

Os meninos se separam.

Daiana – Sem noção, mal educado.

Isabel nem imagina que Daiana namora Adriano, então acha que os meninos passaram trote e ralha com os dois os enchendo de cascudos.

Isabel – Seus fanfarrões, broncos, sem um pingo de vergonha na cara...

Desliga o telefone.

Isabel – Não sabiam que passar trote é uma tremenda falta da educação?
Jonathan (se isenta da ‘culpa’) – Foi tudo ideia do Adriano.
Isabel (com as mãos na cintura) – Usando a minha honrada linha pra passar trotes? (distribui cascudos em Adriano) Quer dizer que eu não posso virar as costas que você já regride e começa a aprontar, senhor Adriano? Está de castigo!
Adriano – Manhê, é mentira desse paspalho.(leva outro cascudo) Poxa, tem que acreditar em mim.
Isabel – De castigo e se reclamar, aumento a punição em uma semana. Cada chiado, a pena fica maior.

Adriano, arrasado, encara Jonathan e vai pra cozinha.

Casa de Vinicius. Cozinha. Tarde.

Paula aconselha Daiana.

Paula – Não pode simplesmente perder a razão desse jeito, filha. Agindo com imaturidade você perde a razão e chateia o Adriano.
Daiana – Vai dar a razão pra ele, mãe?
Paula – Não é que eu esteja dando a razão pra ele, mas ciúme demais não faz bem.
Daiana – É chato não poder namorar que nem os outros.
Paula – Sim, eu entendo que é complicada a situação de vocês dois, mas como adulta, como mãe, acho que vocês deveriam sentar e conversar com a D. Isabel.
Daiana – Adriano é um covarde. Diz gostar de mim, mas pelo nosso amor nem a mãe dele enfrenta.
Paula – Será que as coisas são como você pensa, filhinha? Será que você não acredita mais na sua imaginação do que na realidade propriamente dita? Você já se colocou um pouquinho no lugar do Adriano? Você ia gostar que ele te tratasse desse jeito?

Daiana pensa um pouco.

Música: My happy ending – Avril Lavigne

No vai e vem de invejáveis acrobacias, os skatistas se reúnem na pracinha. É uma bela tarde de Agosto. Não tão fria como as de Julho, nem tão quente quanto às de Janeiro.

Curitiba. Praça dos skatistas. Tarde.

Laura e Marcelo conversam. Laura foi procurá-lo depois do que houve no consultório da Dra. Alana. Ela está sentada no colo dele na rampa onde os meninos costumam treinar.

Marcelo - Ela não podia ter falado desse jeito com você.
Laura - Eu não vejo problemas em me vestir do jeito que me visto. Por que as pessoas nos julgam por conta disso, se o que vale é o que a gente faz?
Marcelo - Se você se sente bem, é o que importa.
Laura - Eu não gosto de ser indelicada, mas ela tirou a minha paciência.
Marcelo - Pretende voltar lá na semana que vem?
Laura - Não volto a ver aquela vadia nem arrastada.

Karinna aproveitou o intervalo que tem no meio da tarde para conversar melhor com Laura. 

Laura (desabafa) – Não suportei mesmo o jeito como ela estava agindo comigo, insinuando que sou homossexual, viciada, invejosa, louca... Eu posso não ser a melhor pessoa do mundo, mas não vou suportar que levantem calúnias contra mim e os meus amigos.
Karinna – Essa Alana é uma cachorra. Eu já quase dei umas bolachas nas fuças dessa sujeitinha. É só uma patricinha que se acha, só isso. Ela não para com paciente.
Laura (curiosa) – Não?
Karinna – Ela ainda ta lá porque a tia dela é uma das sócias, senão já tinha caído fora.
Marcelo (abraçado a Laura, adverte-a) – Laurinha, minha menina, não brigue mais com a sua mãe, não complique as coisas.
Laura – Não suporto preconceito.
Marcelo – E eu menos, mas sei que algumas pessoas precisam de um pouco mais de tempo pra entender certas coisas.
Karinna (ironiza) – Pois então a cachorra da Alana vai precisar de umas 3 vidas pra parar de sentir superior aos outros e achar que depressão é besteira.

Logo a conversa é interrompida por conta de uma intensa gritaria. Trata-se de uma batida policial nas redondezas.

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