Som: Yesterday once more – The Carpenters.
Gilberto colocou o berço de
madeira onde Lílian dorme para poder cuidar integralmente do bebê e não se
cansa de ver Lílian dormindo tão em paz quanto um anjo.
Fernanda e Gabriel, parados
em frente à porta do dormitório do pai, rezam pela criança, pois se não fosse
Lílian, Gilberto poderia até morrer de tristeza por conta do remorso.
-Sabe que eu to ficando com
ciúmes... – brinca Gabriel
-Vá ter seus bebês com Grazi.
– Fernanda entra no embalo
-Querem ver Lílian dormindo?
– pergunta Gilberto sussurrando para não interromper o sono da netinha
-Parece até uma bonequinha. –
suspira Fernanda abraçando o pai – E é minha afilhada...
Som: Ordinary world – Duran Duran.
Desci ao nível mais baixo o qual uma mulher pode se submeter. Preferi
não pensar muito. A fome falava mais alto, bem mais. As borboletas no estômago
não sinalizavam bons tempos, mas medo. Do amanhã, do ontem, de mim. Sobretudo,
de mim. Metáforas à parte, o combustível propulsor da grande reviravolta era o
ódio.
Minhas orações não passam do teto. Meu joelho está cansado demais
para pedir o que não mereço.
Cadê a menininha otária e suas cartinhas de amor? Cadê o príncipe
e o ‘viveram felizes para sempre’?
Happy ending o caralho!
O desgraçado transou com a torcida do Flamengo inteira, engravidou
uma ruiva assanhada e se casou com ela. A criança nasceria na primavera.
Cadê a fada madrinha que prometeu céus e terra se era o inferno o
destino final?
Por que levar uma vida de enganação se posso muito bem ser a
própria autora da minha história?
Ratos, baratas, aranhas. Quase a Cinderela medieval.
Será mesmo que a princesinha suportaria passar a vida toda sendo
chão do mundo?
É... Calcei meu allstar pré-histórico e pisarei sem dó em quem
tentar me machucar mais uma vez. Ouviu essa, amor? Não acredito mais em você!
Enterrei suas promessas e minha bondade também. Paciência tem limite, mas você
extrapolou e eu não sei perdoar.
Desgraça quando vem, vem de uma vez só. O ditado dos antigos não
poderia se aplicar melhor aos meus dias. D. Cotia não esperou que eu levantasse
grana e colocou meus pertences para fora do quarto.
-Eu disse que vou pagar.
Acontece que só recebo no dia 30.
-Azar, queridinha. Tempo aqui
é dinheiro.
-Pelo menos essa noite...
Eu... Eu não tenho onde dormir...
-Vá embora se não quiser que
eu chame a polícia.
-Eu te pago com juro.
-Não tenho tempo pra conversa
fiada, minha filha. Ou paga agora ou dá o fora.
-Eu sei cortar cabelo, tenho
curso de manicure e...
-Eu não sou agência do
trabalhador, minha filha. Ou dá o dinheiro ou RUA.
-Você é muito bonita. Posso
fazer um corte de cabelo que vai deixá-la um espetáculo...
Ela era obesa, fedia pra chuchu, fumava compulsivamente e tinha um
nauseante mau hálito, mas não deixava de ser uma cliente.
-Se ficar feio, te expulso
com mala e tudo.
-Eu te garanto que quando
você se olhar no espelho, vai fazer teu homem cair de joelhos.
D. Cotia namorava um gigolô bebum que mexia comigo todas as
noites.
-O Gilson gosta que eu fique
bem bonita.
-Pois então... E eu posso te
ajudar...
O cara não valia uma pataca, mas no coração ninguém manda.
Concluí o corte e a manicure. D. Cotia se olhou no espelho. Olhou
outra vez. Olhou com um pouco mais de atenção.
-Sabe que tu levas jeito pra
cabeleireira?
-Já me disseram...
-O quarto é teu por um mês.
Agora só corto o cabelo com você.
Pelo menos por um mês eu
teria onde dormir, mas não podia passar o resto da vida pedindo esmola.
E aquela noite foi um verdadeiro inferno, pois não consegui dormir
e vomitei várias vezes me lembrando da bizarra tarde no pombal.
Desesperada, abri a janela da pensão e do décimo quinto andar
daquele prédio caindo aos pedaços, sentei na beirada e pensei seriamente em
acabar com tudo de uma vez por todas.
Observei o silêncio em que a cidade se encontrava e pensei na saudade
que sentia de quem eu era há uns meses atrás. Não havia como retroceder o tempo
e modificar o rumo dos acontecimentos. Já estava consumado e cabia a mim
aprender a cicatrizar minhas feridas. Naquela noite elas sangravam mais do que
nunca.
Meu pai me odiava. O amor não queria papo comigo. Minha condição
financeira me obrigava a tomar medidas drásticas das quais muito possivelmente
me arrependeria posteriormente. Estava vivenciando o tal do AGORA ou NUNCA.
Se continuasse vivendo de migalhas, teria de abandonar a faculdade
e me culpar por isso pelo resto da vida. Ser uma batalhadora balconista não
foi, não é e nunca será motivo para vergonha, no entanto, larguei minha cidade
natal, meus amigos e minha inocência para ganhar a vida em Curitiba e estudar jornalismo.
Não era justo desistir do curso que lutei tanto para depois nunca mais fazer
nada.
Uma moça criada sob os costumes da igreja deixaria o moralismo
falar mais alto e não voltaria a encontrar Cláudio em sua produtora,
entretanto, a razão sabia que eu teria de fazer um enorme sacrifício para
apanhar meu diploma.
-Bom dia, Judy Pankekinha...
O novo filme de Cláudio começaria a ser gravado naquela tarde.
O gordão me entregou o script e me disse que não tinha muito
segredo. Eu li e fiquei chocada, pois em meu mundo de adolescente apaixonada só
conhecia o termo fazer amor. Em menos de meia hora um marombado estaria montado
em mim. Um desconhecido iria transar comigo e cair fora.
As estrelas das pornochanchadas de Cláudio eram umas barangas
escrotas que ficavam me olhando de cima em baixo com deboche.
-Ó o tipo da songa monga que
o Cláudio contratou. Nem na boca deve beijar. - comentou uma piranha que devia ser
muito mais velha do que aparentava ser
-Patricinha magrela. -
provocou outra vadia que parecia traveco
Lembrei-me do quanto vivi sob os desígnios de Deus, sempre temente
a palavra do Senhor. Não fazia sentido algum estar ali.
Será que havia tempo de dar o fora? O quanto eu ganharia ou
perderia fazendo isso?
Logo na primeira cena do filme eu faria um strip-tease ao marombado
e precisava transparecer lascívia e sensualidade, mas estava tão nervosa que
acabei contagiando ao diretor. A cena foi refeita diversas vezes e nada de eu
liberar a puta que existia em mim.
-Se quer fazer novela, volta
pra casa. - berrou um diretor impaciente
Eu nunca iria ser uma boa atriz pornô. Eu só acreditava em sexo
com amor. Ou melhor, acreditava até Gustavo tirar minha virgindade sem meu
consenso.
-Por que não toma um
conhaque, Judy? Assim você relaxa um pouco...
-Eu não bebo. - recusei a
garrafa, ainda mais sabendo que Cláudio colocou sua boca imunda nela
-Não bebe? - debochou o marombado
-Só falta-me dizer que é
virgem também? - ironizou o diretor
Apanhei a garrafa de conhaque e resolvi não atrasar mais as
gravações.
-Só tenta passar um pouco
mais de desejo. Você não ta sendo estuprada. - gritou Cláudio
O marombado lambia meus seios e devia puxar tanto ferro que era
gigante em cima e pequeno em baixo. Depois de umas 3 garrafas de conhaque, gemi
até não querer mais e encarnei Judy Pankekinha. Lalinha era parte do passado.
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