Chora, coração!
Este capítulo além de ser um dos mais tristes e difíceis de escrever, é também especial, pois ao invés da trilha tradicional e das cenas em ordem cronológica, outros personagens também narrarão e não tenham vergonha de chorar caso se emocionem. Isso quer dizer que conseguimos transmitir sentimentos a vocês.
-Gilberto Gallardo não chegou a ser um dos participantes, mas tornou-se inesquecível para nós. É com tristeza que interrompemos nossa programação e perdemos a participante mais cotada a levar os 500 mil para casa, mas nem sempre o dinheiro pode trazer felicidade. Sem as pessoas que amamos não somos ninguém. É mais que real: os grandes valores estão se perdendo! Demonstrar amor tornou-se piegas, fora de moda. Sensibilidade é para os fracos. O próprio amor é banalizado, resumido em uma frase curta que pode reavivar ou mesmo destruir um mundo, mas não vale um centavo se não for sincera. Já não adianta culpar um programa de televisão, meros participantes de reality show. Eles são apenas um fiel retrato do que se vê e pior que disseminar a corrupção é revestir-se com a armadura da falsa castidade, uma bondade perfeita demais para ser de alguém. Aos poucos estamos pensando demais no dinheiro, nos deixando levar pelo espírito competitivo, vendo todos como oponentes, vivendo amizades de fachada, apenas fotos para serem comentadas nas redes sociais; pela total ausência de regras onde vale absolutamente tudo e a ambição acaba falando muito mais alto que os nobres e imutáveis sentimentos, sobretudo com nossas próprias raízes.
Muitos participantes nem sequer falam com os pais e a própria Daniela não conversa com Abílio desde meados da década de 90 e não por não querer, mas porque Abílio não mais a aceita.
-Na infância ele é nosso herói. Presumimos até que possua poderes mágicos e indo mais longe até o dom da imortalidade. Quando crescemos e a vida nos mostra que ninguém é perfeito, discordamos, nos afastamos, sem saber que o 'chato' ainda é o herói, ainda está ali apenas querendo o melhor para você. Nem todos sabem amar com palavras bonitas, mas amam com tudo que podem. Um pai. 3 letras e um mundo inteiro. Pai, meu pai, nosso pai, pai dos grandes ensinamentos. Pai além de qualquer genética ou procuração. Você já abraçou seu pai hoje? Você já o agradeceu por estar aqui? Você morreria por seu pai? Até onde iria seu amor? Além de quaisquer medos, imperfeições e palavras? Além da própria fronteira da vida? O que significa a palavra pai para você? – deixa cair uma lágrima – Nós profissionais mantemos certo afastamento emocional para que você de casa tenha o direito de poder conhecer a cada participante e formar sua opinião bem como preferir, mas nessa edição, a melhor de todas, além de meros artistas, conhecemos seres humanos que nos levaram a sentir diversos tipos de sentimentos, surpreender-se, perceber que nem sempre a primeira impressão é a mais correta. Assim como a própria vida, o programa vai acabar, mas os melhores momentos e o que aprendemos será levado conosco pra sempre...
Som: Wish you were here – Avril Lavigne.
Recebi uma notícia que me soava como mentira, apesar de aqueles médicos altos tentarem ficar do meu tamanho e falar bonitinho. Eles estavam todos me enganando, brincando minha paciência e sentimentos e isso estava me irritando, até que vi meu avô deitado em uma maca com os olhos fechados e toquei nele, mas estava frio.
-Vô, você quer que eu te traga um casaco? Parece que está com frio, não é mesmo? Quando o senhor pegar gripe porque não está agasalhado sou eu quem vou te dar uma bronca feia, ouviu, senhor Gilberto Gallardo. Gente grande também tem que obedecer...
-Seu avô morreu. - uma enfermeira chata me avisou
-Não morreu não. Só está com sono e muito frio. Vocês não têm cobertores, não?
-Lamento, criança. É triste ter de dizer isso, mas seu avô partiu.
-Partiu uma ova.
-Eu sei que é difícil, mas é a verdade. Procure aceitar.
Seu coração não batia e por mais que o chamasse com toda força impregnada na minha voz, ele simplesmente não me respondia, não se mexia, não era o meu avô, não era mais nada. Acho que eu morri também, mas ninguém percebeu.
Gilberto já havia passado dos 50 anos e continuava bonito, imponente, forte, meu porto-seguro. Meu pai, mãe e melhor amigo. Ninguém jamais o substituirá fisicamente e dentro do meu coração também.
Meu avô é único, especial e eu não consigo aceitar que o vi sorrir pela última vez, sentei em seu colo, conversamos como sempre fazíamos e algum tempo depois ele estava com olhos fechados em um sono profundo aonde iria se encontrar com mamãe.
Até Fernanda e Lalinha virem morar conosco, éramos apenas vovô e neta. Na escola eu poderia até não ser aceita e me sentir muito sozinha, mas do portão para fora eu tinha Gilberto me esperando para cuidar de mim o resto do dia e ele me deixava à vontade para ver televisão enquanto fazia o dever de casa, porém às 10h00min eu tinha que ir dormir.
Quando o chuveiro queimava era ele quem consertava. Ele nem sequer tinha medo de aranhas e ainda ria quando eu gritava ao chamá-lo.
-Como pode ter medo de uma aranha? Ela é quem deveria ter medo de você.
-Queria ver se ela te picasse. - batia os pés e mordia o lábio inferior
Quando aprontava, levava meus puxões de orelha e era o maior castigo de todos. Quando entrei na escola ele fez um quadro de madeira com toda a tabuada até o 10 e não sossegou enquanto não me fez aprender. Foi ele quem me ensinou a ler, escrever e até a andar de bicicleta. Quando eu ainda não tinha muita coragem, andava naquela de rodinhas e ia pegando impulso sempre com ele ao meu lado me guiando, tratando dos meus machucados quando caía e ralava os joelhos na calçada.
-Um dia você aprende. Quem não tem cicatriz não tem história.
A maioria dos meus colegas já tinha avôs muito idosos que nem sequer podia brincar, mas o meu cozinhava tão bem quanto uma mãe faria.
Domingo sem maionese não era um domingo. Enquanto eu vigiava as batatas e as descascava de um jeito que ele amava e dizia que me parecia com minha mãe, sempre engajada na cozinha. Depois da soneca íamos dar uma volta na praia ou pelo centro mesmo e sempre que podia ele pagava um sorvete.
Eu me considerava uma menina sortuda por ter meu avô herói ao meu lado desde o meu nascimento, que segundo ele, foi a mais duradoura primavera de sua vida. Ele era sempre o primeiríssimo a me dar parabéns.
Até Cybele entrar em nossas vidas Gilberto não namorava ninguém e seus únicos passatempos eram jogar bingo de vez em quando na igreja, me levar para pescar quando o tempo estava bom e assistir a série Casal 20 todo domingo assim que chegava da missa matinal. Era tão sagrado quanto o futebol e a Fórmula 1.
Ele adorava músicas antigonas e ainda colocava a radiola para tocar porque se animava para limpar a casa e regas as plantas. Bom gosto igual poucas pessoas que conheço possuem.
Som: Yesterday once more – The Carpenters.
Abel não consegue acreditar que Gilberto faleceu.
-É mentira, Ferzinha.
-Eu não iria te ligar pra falar um absurdo desse, né, Abel?
-Eu sei, mas teu pai é um homem tão forte. Não posso crer nisso...
-Nem nós. – avisa Fernanda ao telefone com a voz abafada pelo choro
-To indo pra aí agora mesmo, minha miss. Eu sei que é difícil, mas tenta se tranquilizar.
-Como? Acabei de perder a pessoa mais importante da minha vida.
-Eu sei, eu sei, mas eu já to indo.
-Ainda não liberaram o corpo...
-Até agora minha ficha não caiu. Ele estava bem até o meio da tarde. Como pode ser?
Som de suspense...
Eleonora brinda o sucesso de seu plano com vinho branco.
-Gilberto Gallardo foi para o inferno. Bem como eu planejei.
Eleonora bebe vagarosamente o vinho e sem nenhum remorso por ter destruído as estruturas da família Gallardo.
-Matando o velhote eu arruinei os Gallardo. Agora só falta a cerejinha do bolo.
Som: Never can say goodbye – Jackson 5.
Recém-chegada a Guaratuba. Amor à primeira vista. Ele estava regando suas estimadas plantinhas e quando me viu deixou o regador cair. Eu ri com aquela cena, ri porque ele era diferente de todos, ri porque também correspondi ao seu olhar e também o amei.
Ele era naturalmente divertido e bom, meu parceiro de bingos, meu namorado e também amigo, meu eterno marido, aquele que me fez acreditar de verdade na força do amor. Todos aqueles homens que diziam me amar, mas nunca aceitavam Rafael e Yasmin, não sabiam me tratar bem, respeitar as diferenças, passaram a ser apenas um obscuro lado de meu passado, pois meu Gilberto me fez mais confiante, mais calma, muito mais mulher, mãe, compreensiva, amiga, irmã.
Gilberto parte e nem sequer me diz adeus. Gilberto nos deixa sem ar, sem entusiasmo, se vai para se encontrar com seus queridos que já se foram, porém deixa dentro de nós um vazio, muito de si em nossos caminhos como pequeninas gotas de perfume que sempre virão à memória. Seu amor será mesmo como a primavera e suas lindas flores, a esperança que hoje nos abandona...
Som: Angel – Jon Secada.
Pepo está chorando muito por causa de Gilberto. Rafael e Yasmin sentados ao lado do menino também choram bastante.
-Com o vô não. Com o vô não. Ele tava muito novo pra ir embora...
-Ele tava tão bem ainda hoje. – Rafael lamenta
-A Lílian ta muito triste. Ela já sabe de tudo?
-Já e não quer ver nem falar com ninguém. – Yasmin avisa
-E onde ela ta? – pergunta Rafael
Som: Dove – Moony.
Consegui embarcar para Curitiba e lá apanhei um ônibus para Guaratuba. Tudo que mais queria era poder abraçar minha Fernandoca, minha geminiana querida que perdia o sorriso, mas não minha consideração. Eu poderia até chegar perto de ganhar os 500 mil reais na casa e financiar prazeres, sonhos de consumo, porém não seria feliz porque aprendi que longe das pessoas que amo eu não serei nada, não serei completa nem digna do que quer que seja.
Fernanda só tinha ao pai e Lílian porque Biel, por mais amoroso que fosse, era distante, levava uma vida totalmente diferente da irmã. Temia pela pequena Lílian que venerava o avô, sem ele se perderia, se sentiria sozinha, desprotegida.
Som: Killing me softly – Aretha Franklin.
Meu pai não gostava de falar sobre a morte porque amava a vida, ainda que nada tenha sido perfeito, mas um dia enquanto conversávamos descontraidamente ao som de seus discos favoritos, Gilberto me pediu que o dia em que chegasse sua hora, gostaria de ter um funeral ao estilo dos filmes estrangeiros que via e tanto amava.
-Funeral em casa, paiê, credo.
-Ao menos mereço um digno fim. Não quero choradeira e falsidade. Quero partir ao som das músicas que amo.
-E você acha que alguém vai ouvir música em funeral?
-Quando você largou a escola para ser miss eu não falei nada.
E não falou mesmo!
Queria, logicamente, que eu cursasse uma faculdade, fosse idealista e centrada como Biel, mas sabia que quando precisasse eu estaria sempre por perto.
Mamãe morreu de forma bastante dolorosa e precoce. Gilberto chorou em silêncio por muito tempo e a dor o amansou, apesar de também ter arrancado seu melhor sorriso.
Queria ser velado em casa, onde viveu seus melhores momentos e esteve com as pessoas que mais amava. Apesar de não ter inimigos e raramente se indispor com alguém, não almejava a presença de pessoas falsas em seu velório, pessoas que nunca estiveram ao seu lado e só vinham presenciar a morte, a dor dos que ficaram e teria de deixar não porque gostaria, mas porque assim era a lei da vida desde que o mundo é mundo.
Escolher um paletó, meias, sapatos... Meu pai vivia com os sapatos engraxados porque dizia que se conhecia a personalidade de um homem pelo modo que cuidava de seus sapatos...
É tão estranho se despedir de alguém tão próximo, a quem julgava como imortal. Ouvir sua música preferida ao disco enquanto os amigos e parentes chegavam ao local do velório na casa de Cybele. Crianças chorando abraçadas e Lílian deitada na cama em posição fetal, sem fome nem vontade de falar, sem ar, sem mundo, sem ninguém, ninguém que pudesse substituir o amor de seu avô.
Uma droga de erro médico o matou. Só pode ter sido! Papai doava sangue havia muitos anos e nada de errado aconteceu. Ele era tido como um homem muito forte para a idade. Alguma peça nessa história não se encaixava.
--Essa médica é feia que nem a Eleonora. – Lílian comenta espontaneamente
-Olhe os modos, Lílian. – repreende o avô
-Tem cara de bruxa igualzinho...
O mau pressentimento de Lílian, a médica parecida com Eleonora; incêndio, atentado, bomba. Nada daquilo era normal.
Som: Back on the road – Joe Egan.
O último desejo de Gilberto é atendido e seus discos tocam na radiola de Cybele, também apaixonada por músicas antigas.
Cybele está sentada ao lado do caixão junto com Fernanda. Mayra está sentada no sofá chorando ao lado de Pablo.
-Parece que estou vendo meu pai morrer de novo.
Muitas pessoas transitam pelo local. O falecimento de Gilberto mexeu muito com o emocional das pessoas, até mesmo de Abel, que não chorou, mas está extremamente triste, comportamento quase raro do jornalista.
-Eu nem cheguei a conhecer Gilberto tão profundamente, mas estou muito triste. Não desejo isso a ninguém.
-Eu muito menos. Estou preocupada com a reação de Lílian.
-Ela só tinha ao avô?
-Sim... Seu avô era seu mundo.
-Lílian precisará ser muito forte.
-Espero que consiga. Para alguns a vida já aplica seus castigos logo na infância. Tento pensar, para não me revoltar, que Deus escolhe algumas pessoas para testar e fortalecer e creio que Lílian, Lalinha, Fernanda, Pepo e eu somos esses tipos de pessoas ou então vou me rebelar, sentir raiva...
-Nessas horas eu chego a questionar certas coisas que acontecem as quais não consigo compreender. Em alguns momentos a vida me parece injusta.
Gabriel e Grazielle também estão vindo para o funeral, mas Laly chega antes que eles e percebe que o antigo lar dos Gallardo está em ruinas e a movimentação ocorre na casa de Cybele. Muitas pessoas, ao verem a protagonista, dão licença e arregalam os olhos, ainda mais porque Lalinha tornou-se celebridade, porém trocaria todo reconhecimento para não ver Gilberto preso a um caixão.
Fernanda está se levantando da cadeira para trazer água para Cybele quando olha para a porta principal e vê Lalinha parada com os olhos cheios de lágrimas e até certo receio de colocar os pés para dentro de casa e ser expulsa, xingada ou destratada. Fer se aproxima da jornalista, permanece imóvel por algum tempo enquanto fita diretamente os olhos de Laly até sentir coragem e estender um dos braços em direção à amiga.
-Estou surpresa. Pensei que não viria.
-E você acha que eu deixaria minha melhor amiga abandonada no momento em que ela mais precisa de mim?
-Pensei que não fossemos mais amigas.
-Então pensou errado. Somos muito mais que amigas, somos irmãs e irmãs não se separam por besteiras...
-Ô minha amiga. – Fernanda tem uma crise de choro e abraça Laly – Obrigada por vir.
Laly também chora nos ombros de Fernanda. Lílian, também chorando, espia o que está acontecendo pelo andar de cima, porém ainda não se sente pronta para ver ninguém e não quer que a vejam chorando.
Som: Every man must have a dream – Liverpool Express.
Iury está duplamente triste porque o estado de saúde de Nilton não apresenta nenhum tipo de melhora e a repentina morte de Gilberto o abalou muito mais.
-Gilberto estava muito bem até o meio da tarde. Essa morte não é normal...
Na certidão de óbito a causa da morte foi uma substância altamente nociva na corrente sanguínea e o algodão que Gilberto usou para estancar o sangue. Está em plantão em seu consultório e escuta alguns enfermeiros conversando.
-O algodão estava cheirando horrivelmente...
-O homem morreu muito depressa, deu dó de ver.
-A netinha dele reagiu tão mal que teve de tomar injeção para poder se acalmar. Pobrezinha, não conseguia acreditar no que estava acontecendo.
-Eu muito menos. O homem sempre doava sangue. O senhor Gallardo fará muita falta...
Iury está lendo um prontuário quando lhe vem a memória a impressão de ter visto uma médica muito parecida com Eleonora quando entrou em seu consultório.
-Boa tarde!
-Boa tarde. – Iury assentiu com a cabeça
-Até a vista...
Iury não conseguiu ler o crachá de identificação da mulher, mas o olhar semelhante ao de Eleonora o instigou e é então que abre a gaveta e é então que encontra vários frasquinhos com doses letais de veneno e se arrepia...





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