Doce Balanço -Capítulo 26

CENA 1 - APARTAMENTO DE GERMANO - SALA - INT. -DIA.

O TELEFONE TOCOU E D. CARMEN, QUE ACABAVA DE CHEGAR DO SALÃO DE BELEZA, CORREU A ATENDER. PÔS A MÃO NO BOCAL E OLHOU PARA MARCOS E GERMANO, COM AR DE SURPRÊSA.

 D. CARMEN - Marcos... é para você. É o doutor Monteiro Prado!

MARCOS ADIANTOU-SE E ATENDEU, SOB O OLHAR DE CURIOSIDADE DO CASAL.

 MARCOS - Pois não, doutor Monteiro. Sei... sei... acho que... certo... Está bem, eu aceito o convite. Entendi. Pode contar comigo. Eu vou. Muito obrigado. Combinado. Até logo.

PÔS O FONE NO GANCHO.

 D. CARMEN - (sem se conter) O que esse homem queria com você?

 GERMANO - (repreendeu a esposa) Carmen! Isso são modos?

 MARCOS - O doutor Monteiro Prado me convidou para passar o fim de semana em seu sítio em Teresópolis.

 D. CARMEN - Mas que absurdo! Vocês mal se conhecem! E você... aceitou?

 MARCOS - (sem se abalar) Sim, aceitei, dona Carmen. Com licença. Vou ver as coisas que terei que levar.

MARCOS DIRIGIU-SE PARA O QUARTO. D. CARMEN CRUZOU

OS BRAÇOS, EMBURRADA.

D. CARMEN - Marcos é muito ingênuo! Não percebe a armadilha para a qual está sendo atraído! Tá na cara que a

intenção do banqueiro é arranjar marido para Malu, a filhinha encalhada!

 GERMANO - Pois eu não concordo. Acho que é o contrário: ingênuos são eles, se julgam que vão agarrá-lo assim, tão fàcilmente.

 D. CARMEN - Marcos deveria ter mais respeito pela memória da nossa Diana! Faz tão pouco tempo que ela nos deixou...

 GERMANO - Nós não temos o direito de exigir que ele seja

fiel à memória de nossa filha. Pois se nem eram marido e mulher!

CORTA PARA:

CENA 2 - PEDRA DO ARPOADOR - EXT. - ENTARDECER.

SENTADOS NO ALTO DA ENORME ROCHA, CECÉU E TATIANA BEIJAVAM-SE, EMOLDURADOS PELA BELEZA DO MAR ONDE DEZENAS DE SURFISTAS FAZIAM MANOBRAS, EQUILIBRANDO-SE SOBRE AS ONDAS.

 TATIANA - Amor, tou tão feliz que você tá aqui comigo... Tive tanto medo de te perder...

 CECÉU - Eu tive que voltar pra você, amor. Pra casar com você!

 TATIANA - Ai, Cecéu, você não sabe o que eu sofri vendo você dentro daquele caixão! Quase morri com você!

 CECÉU - Tati, não fale mais nisso, tá! Não quero mais lembrar do sufoco que eu passei naquele dia... Me fala: você continua guardando dinheiro pro enxoval?

 TATIANA - (sorriu, feliz) Religiosamente. Não mexo nesse dinheiro por nada! Faz três anos que tou economizando!

 CECÉU - Amor, eu posso triplicar esse dinheiro na maior moleza! Você confia em mim?

 TATIANA - (desconfiada) Lá vem você com suas idéias malucas! Você sabe que eu confio, mas esse dinheiro é sagrado, Cecéu! Nele eu não mexo!

 CECÉU - Amor, escuta: não tem como dar errado! Marcelão

já ganhou uma fortuna apostando no Andaluz, no mês passado! O Andaluz ganhou o Grande Prêmio Brasil! Ele vai correr hoje á tarde, no Jóquei e nós não podemos perder essa!

 TATIANA - Corrida de cavalo, Cecéu? Você tá maluco? Quer gastar o dinheiro que tou economizando há três anos pro nosso casamento em corrida de cavalo? Nem pensar!

 CECÉU - Tati, o Marcelão vai apostar no Andaluz outra vez! Vai apostar uma grana preta! Eu sinto que vamos ganhar! Até sonhei com isso! Você não disse que confia, amorzinho?

 TATIANA - Ai, amor, eu tenho medo...

 CECÉU - Vai por mim, vai dar tudo certo! Assim a gente pode até casar mais depressa, gata!

 TATIANA - Ai, Cecéu, não sei...

CORTA PARA:

CENA 3 - TERESÓPOLIS - CASA DO SÍTIO DE MONTEIRO PRADO - INT. - DIA.

MARCOS VIAJOU PARA O SÍTIO EM COMPANHIA DE MALU, MONTEIRO PRADO E ISADORA. FAZIA UM DIA BONITO, DE CÉU LIMPO E CLARO. ISADORA APROVEITAVA O SOL À BEIRA DA PISCINA, ENQUANTO O BANQUEIRO DAVA INSTRUÇÕES AO CASEIRO. MARCOS E MALU SAÍRAM PARA CAMINHAR NAS REDONDEZAS.

 MALU - Espero que esteja gostando do passeio...

MARCOS - Eu só tenho que agradecer a você e seu pai, Malu. Essa pequena viagem para esse lugar calmo e tranquilo me trouxe muitas esperanças, sobretudo a de reconquistar minha paz interior.

CAMINHARAM SOBRE UMA PONTE DE MADEIRA, LADO A LADO, ADMIRANDO AS ÁGUAS CRISTALINAS DO RIACHO QUE CORRIA LOGO ABAIXO DELES.

 MALU - (fitou-o nos olhos, com ternura) Eu amo você, Marcos, e vou fazer tudo para você acreditar em mim. Eu sinto que meu comportamento se modificou... e devo isso a esse amor.

 MARCOS - (concordou) Isso é verdade... não vejo mais

agressividade em você. Está mais segura, mais serena... Isso é muito bom.

 MALU - Sinto necessidade de me aproximar mais de você, me sinto segura ao seu lado...

 MARCOS - Pra ser sincero, às vezes ainda fico um pouco confuso... Com a morte de Diana, eu me fechei novamente para o mundo, fiquei mais individualista... Sinto-me meio perdido e em choque comigo mesmo. As lembranças de Diana, o quarto dela, seus pertences, a presença dos pais dela... acho que tudo isso aumenta esse conflito. Não quero magoar você, por nada... receio não estar preparado para me envolver com outra pessoa...

 MALU - No fundo você ainda está preso a uma série de tabus. No fundo, você ainda é um padre. Sua alma ainda está de batina.

 MARCOS - Queria dizer que acho você uma pessoa incrível e só posso retribuir todo esse carinho e atenção com a verdade,

Malu.

 MALU - (decepcionada) Já entendi tudo. Essa é uma forma educada e sutil de me dar um fora. Vamos voltar pra casa?

MALU DEU-LHE AS COSTAS E CAMINHOU DE VOLTA Á CASA

DO SÍTIO. MARCOS SEGUIU-A.

 MARCOS - Malu, espere! Não é bem assim, vamos conversar!

 MALU - (falou, sem encará-lo) Melhor não. Vou poupar você de, com a maior educação do mundo, ter de dizer que não me quer. Só me resta, agora, voltar pra minha vida, pros meus amigos. Eu me afastei um pouco deles, acreditei que podia mudar, ter uma vida diferente... mas vejo que me enganei.

CORTA PARA:

CENA 4 - JÓQUEI CLUBE - ARQUIBANCADA - EXT. - DIA.

EM MEIO AO BURBURINHO DA ARQUIBANCADA LOTADA, MARCELÃO E CECÉU TORCIAM, DESESPERADAMENTE, NOS MOMENTOS FINAIS DA CORRIDA.

 LOCUTOR - “O páreo saiu com ritmo acelerado, o ligeiro Blood Horse tomou a ponta de largada e foi seguido de perto pelos favoritos, Andaluz e Cambino. Entrada a reta, os ponteiros

começaram a esmorecer, foi quando surgiu com grande ação Galactic Hero, na tocada de Jonas Fernandes, passando ràpidamente para a ponta e livrando dois corpos de vantagem sobre o segundo colocado, Andaluz, que entrou para a reta sem conseguir

engrenar a tempo! Em final eletrizante, Galactic Hero foi o grande favorito do páreo, deixando logo atrás Andaluz, Blood Horse e Cambino, em terceira posição. Galactic Hero chegou a sua primeira vitória, surpreendendo a todos! O vencedor contou com o preparo

de Teófilo Oliveira...”

CECÉU EMPALIDECEU, SEM ACREDITAR NO QUE VIA. OLHOU PARA MARCELÃO, DESESPERADO. LEVOU AS DUAS MÃOS À CABEÇA E ABAIXOU-SE ATÉ OS JOELHOS.

 CECÉU - (balbuciou) Não acredito! Isso não tá acontecendo! As economias da Tatiana pro casamento... foram pro espaço!....

 MARCELÃO - (apertou o ombro do amigo, solidário) Sinto muito, Cecéu... Eu também perdi uma graninha... Faz parte do jogo...

 CECÉU - Como eu vou contar isso pra Tatiana? Como? Ela vai me matar, Marcelão!

CORTA PARA:

CENA 5 - PENSÃO PRIMAVERA - EXT. - NOITE.

IMAGENS NOTURNAS DO LEBLON E IPANEMA, MOSTRANDO A PRAIA, O TRÂNSITO INTENSO E, POR FIM, A PENSÃO PRIMAVERA.

CENA 6 - PENSÃO PRIMAVERA - SALA - INT. – NOITE

D. GIGI SERVIA O JANTAR PARA UM HÓSPEDE E SORAIA ATENDIA UM CLIENTE NA RECEPÇÃO, QUANDO TATIANA CHEGOU, A EXPRESSÃO CARREGADA.

 TATIANA - Oi, Soraia! Cecéu tá aí?

 SORAIA - Oi, Tatiana! Tá no quarto dele, sim. Tá meio estranho, sabe... Até comentei com minha mãe... ele nem quis jantar... Chegou cedo, sem falar com ninguém, se trancou no quarto e não saiu mais de lá!

TATIANA FECHOU A CARA. CERROU OS OLHOS E RESPIROU FUNDO, PREPARANDO-SE PARA O PIOR.

 TATIANA - (voz trêmula) Tentei falar com ele o dia todo pelo celular e ele não atendeu...

 SORAIA - Vocês brigaram?

 TATIANA - Ainda não! Mas hoje eu acho que vou matar o meu noivo com minhas própriasmãos, Soraia! Posso ir até o quarto dele?

SORAIA - Nossa, Tatiana, você tá me assustando! Melhor se acalmar antes de falar com ele. (segurou a jovem pelo braço e levou-a até o sofá) Vem, senta aqui. Vou buscar um copo d’água pra você. Não saia daí!

SORAIA DIRIGIU-SE PARA A COPA. TATIANA LEVANTOU-SE,NUM IMPULSO E GANHOU O CORREDOR ONDE FICAVA O QUARTO DE CECÉU E ALBERTO.

CORTA PARA:

CENA 7 - PENSÃO PRIMAVERA - QUARTO DE CECÉU -INT. - NOITE.

 TATIANA - Alceu!

 CECÉU – Ta... Tatiana!

O RAPAZ ESTAVA PARADO JUNTO À JANELA, OLHANDO PARA A RUA, TORTURADO PELO REMORSO E O TEMOR DE ENFRENTAR A NOIVA. VOLTOU-SE, ASSUSTADO. ELA ESTAVAALI, Á SUA FRENTE.

 TATIANA - (seca, foi direto ao assunto) O cavalo que você apostou... o Andaluz... ganhou a corrida? É essa a notícia que você tem pra me dar, não é, Cecéu?

 CECÉU - (procurou ganhar tempo) Calma, amor, você tá nervosa. Senta aqui. Vamos conversar.

TATIANA DEU-LHE UM TAPA NA MÃO, REAGINDO COM GROSSERIA.

 TATIANA - Não tem conversa, Cecéu! Me responde só uma coisa, pelo amor de Deus! Você... perdeu o dinheiro na corrida?

CECÉU BAIXOU A CABEÇA, DERROTADO. FORA DE SI, TATIANA AVANÇOU DANDO-LHE UMA SUCESSÃO DE SÔCOS NO PEITO.

CECÉU - (deixou-se agredir, sem esboçar reação) Perdão, Tatiana! Perdão, meu amor! Pode bater... eu mereço!

TATIANA CONTINUOU BATENDO, DESCARREGANDO TODA SUA REVOLTA. EXAUSTA, PAROU E, TOMADA PELA EMOÇÃO, COMEÇOU A CHORAR. CECÉU ABRAÇOU-A, EMOCIONADO. A MOÇA TREMIA, DESCONTROLADA.

 TATIANA - (falou, abraçada a ele, entre lágrimas) Cachorro! Cafajeste! Passei três anos economizando aquele dinheirinho, Cecéu! Almocei barrinha de cereal e misto quente um monte de vezes, pra economizar! Três anos! Eu devia acabar com sua raça! Devia te matar!

 CECÉU - (chorava, a voz embargada) Perdão, amor! Eu sei que não mereço, mas só posso te pedir isso... me perdoa! Me perdoa!

TATIANA, INCONFORMADA, DEU-LHE SOCOS MAIS LEVES,

CHORANDO BAIXINHO.

 TATIANA - Cachorro! Desgraçado! Eu devia te matar! Devia te matar!

CORTA PARA:

CENA 8 - APARTAMENTO DO DELEGADO NOGUEIRA - INT. - NOITE.

NOGUEIRA LIA O JORNAL, QUANDO A CAMPAINHA TOCOU. ODETE ABRIU A PORTA. ERA MALU.

 MALU - Boa noite, dona Odete. Boa noite, seu delegado. Combinei de sair com Selminha...

SELMINHA, JÁ ARRUMADA, SURGIU NA SALA.

 SELMINHA - Oi, Malu! Tou pronta! (e para os pais) Mãe, pai, vamos sair pra dar umas voltas, tá!

 ODETE - Aonde é que vocês vão? Cinema?

 SELMINHA - Que cinema, mãe. Corta essa... cinema tá superado...

NOGUEIRA TINHA PRESTADO ATENÇÃO A TODA A CONVERSA, OLHANDO POR CIMA DO JORNAL.

 DELEGADO NOGUEIRA - Escute, moça, você não conheceu Diana Molina?

 MALU - Sim, conheci. Éramos muito amigas...

 DELEGADO NOGUEIRA - Ela esteve na sua casa na noite anterior à que foi assassinada?

 MALU - Foi, e daí?

 DELEGADO NOGUEIRA - Daí, talvez você possa nos ajudar. Talvez eu precise lhe chamar para depor.

 MALU - Eu não vou!

 DELEGADO NOGUEIRA - Não vai? Ora, essa é muito boa! Tem que ir, é obrigada! Vai nem que seja presa!

 ODETE - Calma, Justo; ela é filha do Monteiro Prado, vai com calma...

 DELEGADO NOGUEIRA - Pode ser filha do diabo que a carregue! Já prendi ela uma vez e prendo de novo!

MALU ENCAROU O DELEGADO, COM AR DE SUPERIORIDADE, E ENCAMINHOU-SE PARA A PORTA.

 MALU - Você vem, Selminha?

 SELMINHA - (embaraçada, recriminou o pai) Pai! (e para Malu) Desculpa, Malu! Vamos!

CENA 9 - CASTELINHO - INT. – NOITE

MALU E SELMINHA ESTAVAM NO CASTELINHO TOMANDO UM CHOPE. SELMINHA PERCEBEU O COMPORTAMENTO AUSENTE DA AMIGA.

 SELMINHA - Malu, o quê que você tem? Tô fazendo um

monólogo há uma hora e você só diz: “aham, aham”... O quê que tá acontecendo, hem?

 MALU - Desculpe, Selminha... eu não tou legal hoje... te chamei pra sair pra tentar me distrair um pouco, mas acho que tô estragando tua noite... Tou sendo egoísta, né...

FRED GASPAR ACABAVA DE CHEGAR E, AO VER MALU E SELMINHA, APROXIMOU-SE DA MESA.

 FRED GASPAR - Olha só quem está por aqui! As maiores gatas de Ipanema!

 SELMINHA - Oi, Fredinho! Quanto tempo!

 FRED GASPAR - Posso sentar com vocês?

 SELMINHA – Claro! Toma um chopinho com a gente!

MALU APROVEITOU A DEIXA.

 MALU - Gente, perdão, mas tenho um assunto urgente pra resolver... Fred, cuida da Selminha pra mim, tá? Vou nessa!

MALU BEIJOU OS DOIS E RETIROU-SE DO CASTELINHO.

CORTA PARA:

CENA 9 - PRÉDIO DO APARTAMENTO DE GERMANO -FRENTE - EXT. - NOITE.

ERA QUASE MEIA NOITE QUANDO MALU PAROU O CARRO EM FRENTE AO PRÉDIO, LIGOU PARA MARCOS DO CELULAR E FICOU AGUARDANDO-O POR ALGUNS MINUTOS, ATÉ QUE ELE APARECEU E BATEU NA PORTA DO AUTOMÓVEL.

 MALU - (baixou o vidro e falou, ansiosa) Obrigada por ter vindo. Entre.

MARCOS ENTROU NO CARRO E SENTOU-SE NO BANCO DO CARONA.

 MARCOS - Fiquei preocupado com seu chamado a essa hora... tá tudo bem?

 MALU - Marcos, eu... não, não está tudo bem, porque... eu não consigo tirar você da minha cabeça nenhum minuto! Não consigo parar de pensar em você! Acho que tou ficando louca....

 MARCOS - Malu, eu tenho uma coisa pra te dizer... eu tomei uma decisão!

 MALU - (arregalou os olhos, o coração aos pulos) Que... que decisão?

 MARCOS - Decidi dar um novo rumo pra minha vida. Vou embora pra São Paulo. Definitivamente.

FIM DO CAPÍTULO 26